A reinvenção da agropecuária brasileira
30/09/2013
Luís Fernando Guedes Pinto
Suponho que o cidadão comum tenha grande dificuldade para fazer uma avaliação da agropecuária nacional. De um lado, um gigante do PIB brasileiro, o setor de maior importância para o saldo das exportações e um dos grandes empregadores da força de trabalho nacional. Em suas terras está a maior porção das florestas brasileiras, sua produtividade não para de aumentar e é líder mundial em tecnologia de produção agrícola dos trópicos. Por outro lado, é um dos principais responsáveis pelo desmatamento e pelas emissões de gases de efeito estufa e o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Na dimensão social, no campo, ainda está a maior parte dos casos de trabalho forçado e precário.
Afinal de contas, que setor é esse? É tudo isso ao mesmo tempo. A agropecuária nacional é altamente heterogênea e o arcaico e o moderno convivem lado a lado. Temos ótimos exemplos de adoção de boas práticas agronômicas, ambientais e sociais. Como consequência, somos líderes na certificação de sustentabilidade em diversos cultivos e produtos. Mas isso não é o dominante, como também não são os casos reais das piores condições sociais e ambientais divulgadas frequentemente pela imprensa.
Apesar da grande heterogeneidade, é possível apontar algumas tendências e áreas de mudanças para a busca pela sustentabilidade do setor, seja por necessidade ou oportunidade. O mercado e a sociedade exigem qualidade, rastreabilidade e segurança nos alimentos e sustentabilidade na produção. A necessidade de adaptação às mudanças climáticas, a escassez de água, os cenários de limitação de fertilizantes e a dependência do uso excessivo e preventivo de agrotóxicos apontam que a forma de se produzir precisa ser reinventada. As monoculturas e o eficiente sistema derivado da revolução verde parecem próximos da exaustão, resultando em altos impactos ambientais e chegando próximo da inviabilidade econômica. A era do domínio da engenharia parece estar perto do seu esgotamento e o desafio atual é reaproximar a agronomia da biologia.
Precisamos de sistemas produtivos mais estáveis e resilientes, que necessitem de menor uso de energia e intervenção e possam responder a um ambiente dinâmico e instável. E a ciência indica que, nos trópicos, isso somente pode ser alcançado pela diversificação dos sistemas de produção e sua integração com uma paisagem também naturalmente diversa. Isso para se limitar à produção e à escala de dentro da porteira. Some-se a isso a importância do setor para o fornecimento de serviços ambientais essenciais para a coletividade. Além do endosso da ecologia, a diversificação também proporciona maior estabilidade financeira e maior renda para o produtor, como demonstrado por um estudo da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Todavia não temos políticas que incentivem a diversificação e o mercado e as tecnologias hegemônicas impõem a simplificação.
No campo social, embora tenha aumentado a formalização do trabalho no campo, a contratação temporária de trabalhadores nas colheitas (muitos deles migrantes), o pagamento por produtividade, o contato intenso com agrotóxicos e a terceirização de atividades produtivas são um convite ao trabalho precário e uma ameaça à saúde e vida desses homens e mulheres. No plano institucional, temos um sistema de crédito público, mas não uma política agrícola ampla e integrada. Essa deveria orientar onde, o que e como se produzir; protegendo o produtor dos enormes riscos da sua atividade e garantindo ao mesmo tempo o interesse público. Para piorar, não temos um planejamento da infraestrutura e do nosso imenso e diverso território. E além do conhecido e limitado comando e controle, nos faltam instrumentos de incentivos a mudanças rumo à sustentabilidade. Finalmente, a fraqueza do Estado se contrapõe ao poder das indústrias de insumos, traders e indústrias processadoras e distribuidoras. Essas são muitas vezes oligopolizadas e, se há dúvidas se estão a serviço do interesse dos produtores, o que se dizer do interesse público? Sem mencionar a fragilidade do cooperativismo e a falência da extensão rural.
Com uma história que moldou o que hoje é o nosso país, a agropecuária continuará sendo um dos motores da nossa economia e sociedade. Além dos extremos positivos e negativos, em média, o setor tem se modernizado e transitado de uma fase do precário e predatório para a conformidade com leis e regulamentos privados nacionais e internacionais. Mas os desafios e as necessidades de mudanças rumo a um patamar que se aproxime da sustentabilidade são substantivos e exigirão grandes investimentos em pesquisa e tecnologia, mas apoiadas em novos paradigmas. E isso nos abre a oportunidade de tratar de outros temas relevantes do setor, que se tornaram tabus e estão escondidos embaixo do tapete desde a chegada de Cabral e suas caravelas. O alcance dessa utopia somente será alcançado com um amplo diálogo com a sociedade e a construção de uma nova aliança de forças, necessariamente conectada com um projeto de longo prazo para o país.
LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO, 42, engenheiro agrônomo e doutor em agronomia pela Esalq-USP, gerente de certificação do Imaflora e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, é professor da pós-graduação da Escas - IPÊ e foi pesquisador associado da Universidade de Oxford.
Fonte: Folha – Empreendedor Social
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