As manchetes a respeito do agronegócio cada vez mais
acentuam as suas contradições. A supersafra vem acompanhada da revisão sobre o
trabalho escravo, e os drones vão conviver com a senzala.
Os milhões de toneladas da próxima safra devem vir
acompanhados de longas jornadas de trabalho e perdas salariais para os
trabalhadores rurais da ordem de 20%. Tornou-se possível reduzir a remuneração
e tornar mais pesado o trabalho de um dos estratos de trabalhadores mais pobres
e com situação mais precária do país.
No campo ambiental seguem os ataques às terras públicas,
como a Reserva do Jamanxim, brechas para grileiros desmatadores e mudanças para
flexibilizar a regulação sobre os agrotóxicos e para o licenciamento ambiental.
A dívida dos produtores com o crédito rural oficial foi
rolada novamente. Ademais, o UOL revelou que a dívida de proprietários rurais
com a União relativa ao ITR (Imposto Territorial Rural) cresceu 49% em cinco
anos e chegou a R$ 28,5 bilhões.
O setor nem paga o seu imposto mais básico, que já é
muito baixo e sistematicamente subdeclarado e sonegado no Brasil. O recente
relatório da Oxfam Brasil sobre as desigualdades aponta o tamanho da
concentração da terra em nosso país.
Mas é importante destacar a concentração dos passivos do
agro com a nossa sociedade. Segundo o UOL, os cinco maiores devedores do ITR
acumulam uma dívida de R$ 4,9 bilhões. Estudo do Imaflora (Instituto de Manejo
e Certificação Florestal e Agrícola) e da Esalq-USP (Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz) concluiu que 6% dos imóveis rurais têm 59% da área
da "dívida" com o Código Florestal.
Embora impactem todos e atinjam muitos laranjas, as
concessões aos grileiros e aos escravocratas beneficiam muito poucos. O atraso
está localizado em uma minoria podre que passou a dominar o Planalto e o
Congresso.
A sociedade civil tem feito o seu papel de apontar os
retrocessos e as suas consequências. Também tem criado mecanismos para a
diferenciação dos responsáveis dos podres para o mercado e para o mundo.
Todavia, a liderança do agro segue indivisível, monolítica, retumbando sobre os
progressos do setor. Associações de classe e líderes seguem com o discurso
afinado de que vai tudo ótimo.
Esta cegueira política não cabe mais num ambiente moderno
e globalizado. O mundo nos cobra coerência. Se a sociedade civil vem fazendo o
seu papel, chegou a hora de a banda responsável do agro ter a coragem de
enfrentar o problema e fazer a faxina necessária para separar o joio do trigo.
Enquanto isso não for feito, seremos todos joio e
naufragaremos no século 21 sequestrados pelos líderes do século 19.
LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO é engenheiro agrônomo do
Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e faz parte
da Rede Folha de Empreendedores Sociais
Fonte: Folha de S. Paulo.
Agro Brasil: século 19 ou 21?
31/10/2017
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