A leitura do julgamento no STF é de uma derrota do meio
ambiente e uma vitória dos ruralistas.
Luis Fernando Guedes Pinto
O julgamento das Ações de Inconstitucionalidade do Código
Florestal (ADINs) pelo Supremo Tribunal Federal encerra a fase de insegurança
jurídica de uma lei publicada em maio de 2012 e que até agora não foi
devidamente cumprida e implementada no campo devido às incertezas sobre a sua
validade. Vale lembrar que esta lei é um dos principais instrumentos que trata
da conservação da vegetação nativa em nosso país, uma vez que regula a
manutenção, o uso e o corte da vegetação em imóveis privados. Isto significa por
volta de 280 milhões de hectares, ou quase metade das florestas do país.
Em geral, o julgamento manteve a constitucionalidade da
maior parte dos artigos em questão. Isto na prática representa a manutenção da
anistia de algo em torno de 41 milhões de hectares que desrespeitaram a lei
vigente antes 2008 e tiveram esta enorme dúvida perdoada pela lei aprovada em
2012.
A leitura é de uma derrota do meio ambiente e uma vitória
dos ruralistas. O que isto de fato significa?
Uma parte da anistia implica na
perda de serviços ambientais essenciais para a manutenção da biodiversidade, da
água, da economia, da qualidade de vida nas cidades e para a própria
agricultura. Por exemplo, a manutenção da regra da escadinha e da medida dos
leitos dos rios a partir da vazão média ao invés da máxima resulta na
desproteção de mais de 4,5 milhões de hectares de matas ciliares que foram
cortados ilegal e indevidamente no passado e que deveriam estar protegidos e
não precisarão mais ser recuperados. Se as nascentes intermitentes passaram a
ser protegidas pelo julgamento do STF, segue a redução da área florestal
necessária para a sua proteção, que foi reduzida de 50 para somente 15 metros.
As funções ecológicas destas matas ciliares e de nascentes para a proteção do
solo e da água são insubstituíveis e a falta destes 4,5 milhões de hectares
implica em ameaça para o suprimento de água para as cidades, para as indústrias
e para a irrigação.
O julgamento também manteve a possibilidade da
compensação de Reservas Legais em distâncias muito grandes de onde a floresta
deveria estar presente e a restauração de áreas anistiadas combinando-se
espécies nativas com exóticas. Novamente, isto restringe em grande medida a
provisão de serviços ambientais e deve resultar na proteção de florestas que
não estão ameaçadas e a ausência de matas em regiões que possuem pequena
cobertura com vegetação a nativa e o plantio de árvores é essencial. Podemos
ter o código cumprido no país e continuar a ter regiões com menos de 5% de
cobertura florestal, como ocorre no estado de São Paulo, que já esteve no
epicentro da crise hídrica e onde a agricultura exige cada vez mais agrotóxicos
devido à falta de biodiversidade para controlar as pragas e doenças, e as
safras podem ser menores pela ausência de polinizadores nas lavouras.
Por fim, manteve-se a regra de que a dívida do
proprietário de terra deve ser contada em função da regra vigente na data do
desmatamento. Isto precisa ser definido nos Programas de Regularização
Ambiental e a regra de cada estado pode aumentar ainda mais a anistia. No
estado de São Paulo a interpretação desta regra para o Cerrado pode implicar na
diminuição da exigência de restauração de dezenas de milhares de hectares de
vegetação nativa.
E a decisão do STF é uma boa notícia para a agricultura
brasileira?
Depende... Para a visão de curto prazo, pode ser uma ótima notícia.
“Não segui a lei e estou dispensado de reparar o que deveria feito, ótimo”.
Para o produtor sério e responsável que sempre cumpriu a lei, fica a sensação
de ter sido o trouxa e que cumprir a lei não vale a pena. No longo prazo, há
razoáveis evidencias cientificas de que manter e recuperar florestas interessa
para a sustentabilidade da produção, com atenuação das mudanças climáticas, das
crises hídrica etc.
Para a sociedade brasileira e global também parece que
ter uma lei que protege florestas, um dos maiores ativos da Humanidade para o
presente e para o futuro, interessaria. Ué, e porquê não temos uma lei que
combina os interesses dos produtores e da sociedade? Na minha opinião, porque o
Brasil não tem uma visão de longo prazo e muito menos do interesse público em
primeiro lugar. Se ter florestas interessa a todos, mas pode ter impactos para
os produtores, precisamos de instrumentos que garantam a sua renda, mas não que
isto aconteça necessariamente ao custo do meio ambiente e do interesse
coletivo. A energia dos produtores poderia ter sido canalizada para a
regulamentação dos incentivos econômicos para o cumprimento do Código Florestal
ao invés de se preocupar com a garantia da anistia.
De todo modo, agora temos a lei julgada e definida. Com
toda a sua controvérsia, agora ela deve ser cumprida. E para isto ainda resta
um longo caminho. O Cadastro Ambiental Rural somente agora está encerrando a
sua fase autodeclaratória e precisa ser validado. Os PRAs de alguns estados já
foram publicados, mas muitos ainda não foram. A boa notícia é que um número
razoável de estudos tem sido realizados e apontado os caminhos para o
cumprimento da lei. Um deles aponta um atalho, pois identificou que a maior
parte da dívida atual da lei está concentrada na mão de poucos grandes
produtores. Estimamos que 94% da dívida está concentrada em 362 mil grandes e
médios imóveis rurais do Brasil e este público deveria ser o alvo para a
implementação das regras do código no campo. Agora é fazer valer a lei.
Luís Fernando é pesquisador do Imaflora e membro do
Observatório do Código Florestal.
Fonte: O Globo.
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