Artigo de Renato Morgado*, publicado no site do BID, no dia 13/12/2016.
Apesar de
recentes avanços e esforços no monitoramento florestal e da relativa redução
das taxas anuais de desmatamento na Amazônia Brasileira[1], a exploração
ilegal de madeira continua sendo um grande problema socioambiental, gerando conflitos
sociais, emissões de gases do efeito estufa e degradação ambiental. Outro
desafio, presente em todas as regiões do pais é a garantia que as propriedades
rurais mantenham e/ou recuperam as áreas, que por lei, devem ter cobertura
florestal, como as margens de rios e os topos de morro. Atualmente 21 milhões
de hectares que deveriam ter florestas, possuem outros tipos de uso do solo.
O uso de tecnologias de informação e de comunicação, unido com a
abertura, a reutilização e a visualização de grandes quantidades de dados,
podem contribuir significativamente para a compreensão e a solução destes
complexos desafios socioambientais. A seguir, apresentamos exemplos de duas
bases de dados sobre o uso de recursos naturais, a dinâmica ambiental e o uso
da terra, que ilustram este potencial:
O combate à exploração ilegal de madeira
amazônicaNo Brasil,
todo o transporte de madeira, desde a área de exploração na floresta, passando
pelo processamento, até as empresas consumidoras, exige das madeireiras a
realização de um registro público e eletrônico que gera o chamado Documento de Origem Florestal – DOF ou Guia Florestal – GF (no caso dos Estados
do Pará e do Mato Grosso).
Por ano, são gerados mais de 1 milhão de DOFs e GFs que compõem uma
grande base de dados, com informações, de cada transação, da empresa vendedora,
da empresa compradora, do meio de transporte, do itinerário, do volume e das
espécies de madeiras transportadas, dentre outros dados. Apesar desses sistemas
de controle representarem um importante avanço, ainda é muito comum o uso de
registros falsos para o transporte de madeira explorada de forma ilegal. Ou
seja, gera-se um registro para “oficializar” o comércio e o transporte de
madeira que possui origem ilegal, muitas vezes de áreas de desmatamento.
Com o objetivo de aprimorar a fiscalização da produção e do transporte
de madeira amazônica e as políticas públicas e privadas que promovam a
sustentabilidade do setor, o Imaflora está desenvolvendo uma plataforma de
reuso e de visualização dos dados do DOF e da GF. Por meio de mapas e gráficos
fáceis de compreender, e de múltiplos filtros, a plataforma dará total
transparência ao fluxo de comércio de madeira amazônica, permitindo que os
compradores identifiquem fornecedores de alto risco e que as organizações da
sociedade civil realizem ações de controle social. O monitoramento do setor e a
existência de alertas automáticos de possíveis ilegalidades permitirão o
aumento da capacidade das agências governamentais para identificar fraudes e fiscalizar
o setor.
Como os dados abertos podem contribuir com o combate ao desmatamento e com a sustentabilidade da produção florestal e agrícola?
19/12/2016
Legenda: Layout do protótipo da plataforma. Os círculos roxos e os pontos representam locais de exploração, processamento e recebimento da madeira e as linhas os fluxos de transporte e de venda.
Cobertura Florestal em propriedade RuraisO chamado novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), estabeleceu que todas as propriedades rurais devem possuir um registro público com sua geolocalização, as áreas com cobertura florestal e aquelas, que por lei, deveriam ter florestas. Este registro chama-se Cadastro Ambiental Rural e até novembro deste ano (link), existia uma base de dados com 3,84 milhões propriedades, que correspondem a 393 milhões de hectares, ou 46% do território nacional. Trata-se da maior e mais importante base de dados já gerada no pais, com informações sobre as necessidades de recuperação e de restauração ambiental de cada uma das propriedades rurais.A existência e a abertura dessa base de dados permitem um conjunto de ações, que incluem: a elaboração de políticas públicas de recuperação e de restauração, o aprimoramento de políticas de compras sustentáveis, já que os compradores de produtos agrícolas poderão conhecer a situação ambiental de seus fornecedores, a responsabilização dos produtores rurais que estão em desacordo com a lei e de todos os agentes das cadeias de seus produtos. No final de novembro, o Governo Brasileiro lançou uma plataforma (http://www.car.gov.br/publico) que permite o acesso público a base de dados do CAR. Trata-se de um grande avanço, mas que ainda precisa ser aprimorado, pois os dados dos proprietários (nome, CPF e CNPJ) ainda não foram disponibilizados, em função de pressões do setor e de uma análise ainda restrita da Lei de Acesso à Informação.
Legenda: Layout do site (http://www.car.gov.br/publico) que permite o acesso às informações e aos dados do Cadastro Ambiental Rural - CAR
ConclusãoEstes dois exemplos demonstram o potencial da abertura, reuso e visualização de bases de dados para o aprimoramento da governança ambiental, para a criação e a melhoria de políticas públicas e privadas que combatam práticas ilegais, incluindo o desmatamento, e que fomentem a produção florestal e agrícola sustentáveis.
A exploração desse potencial ainda é incipiente. A maior abertura de bases de dados como estas, a compreensão de seu potencial pelos diversos atores sociais e uma maior integração entre as organizações públicas e da sociedade civil que atuam com temas ambientais, com aquelas que atuam no campo de governo e de dados abertos, permitirá avanços significativos na utilização de seu potencial e no alcance de seus benefícios.
* Renato Morgado é coordenador de políticas públicas do Imaflora. É gestor ambiental, mestre em ciência ambiental, especialista em democracia participativa e fellow em governo aberto pela Organização dos Estados Americanos.
[1]De acordo com os dados do PRODES/INPE, houve uma redução de 71% da área desmatada em 2016, em relação a 2004, porém um aumento de 29% da comparação entre 2016 e 2015 (http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php)
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