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É preciso enxergar além da próxima crise

18/08/2015

Agenda de Dilma e Merkel para o clima ainda carece de ambição e passos concretos para se obter acordo em Paris
Quando a chanceler Angela Merkel e a presidente Dilma Rousseff se reunirem nesta semana em Brasília, as duas estarão tirando férias do gerenciamento de crises.
Merkel vem de uma votação sobre a crise grega, uma ameaça existencial para União Europeia e a moeda comum; Dilma poderá fazer uma bem-vinda pausa nos desafios que tem enfrentado.
Por mais urgentes e preocupantes que estas crises político-econômicas sejam, em algum tempo elas se tornarão uma memória distante, tendo em vista outra crise muito maior: a mudança climática.
O clima faz parte da agenda da reunião. A dúvida é o quão ambicioso será o resultado do encontro.
Os dois países podem alegar algum sucesso no passado no combate às alterações no clima. O Brasil reduziu as taxas de desmatamento da Amazônia, o que resultou em uma expressiva queda em suas emissões de carbono. Já a Alemanha reduziu suas emissões em 24% em relação a 1990, mesmo sob forte crescimento econômico, e almeja um corte de 40% até 2020.
Além disso, o país também tem contribuído imensamente para reduzir os custos de energias renováveis, especialmente eólica e solar, por meio de um esquema pioneiro de incentivo que permitiu que essas tecnologias alcançassem escalas de economia e eficiências cada vez mais altas, com repercussão global.
No entanto, as emissões do Brasil de todos os outros setores fora o desmatamento têm subido de forma constante, e o desmatamento na Amazônia voltou a subir em 2013. Além disso, a proteção das florestas e da biodiversidade pode ser ainda mais corroída pelas disposições da Agenda Brasil, que tem o apoio da presidente.
O setor de energia da Alemanha ainda queima quantidades significativas de carvão e o governo tem adiado a adoção de políticas para diminuir gradualmente o uso de combustíveis fósseis.
Os dois países permanecem entre os dez maiores emissores do mundo.
Obviamente ainda há mais a ser feito, e este encontro, que ocorre apenas alguns meses antes de uma conferência histórica em dezembro, é uma oportunidade perfeita para fazê-lo. Então, o que mais esperar dessa reunião?
AMBIÇÃO
Em primeiro lugar, aumentar a ambição das metas climáticas. O Brasil ainda não anunciou sua meta para 2025 e 2030, mas o Observatório do Clima propôs uma meta de, no máximo, 1 bilhão de toneladas de emissões de carbono e demonstrou como isso pode ser feito. Um elemento dessa estratégia é zerar o desmatamento antes de 2030.
A presidente Dilma deve declarar sua determinação de assegurar que os territórios indígenas e outras áreas protegidas permaneçam fora dos limites da mineração ou da produção agrícola e que estas proteções não sejam enfraquecidas pelas reformas legislativas, presentes em pontos da Agenda Brasil.
A Alemanha se comprometeu a uma redução de emissões de 55% como a sua contribuição para a meta global da Europa de "pelo menos" 40% de redução até 2030.
Merkel pode seguir adiante com sua promessa de aumentar o apoio financeiro ao desenvolvimento de ações de países, e de incentivar a UE a elevar suas tímidas metas.
Em segundo lugar, pode-se unir forças para obter um acordo forte na conferência de Paris. É necessário que os países assumam compromissos e os entreguem de forma transparente e responsável, com mecanismos e incentivos para aumentar a ambição a curto e a médio prazo.
Em terceiro lugar, é preciso, de forma pragmática e urgente, fortalecer e expandir uma série de iniciativas para assegurar a utilização de tecnologias mais eficientes e sustentáveis, em cooperação com o setor privado e outros atores relevantes.
Finalmente, talvez o resultado mais importante deste encontro fosse um reconhecimento de que mitigar a mudança do clima ajuda a prevenir outras crises.
Os brasileiros já podem sentir como as mudanças climáticas podem ameaçar o fornecimento de eletricidade e água. As soluções para nossos desafios energéticos poderiam ser energias renováveis sustentáveis em vez de investimentos na geração poluente via combustível fóssil ou inúmeros novos grandes projetos de hidrelétricas na região amazônica.
No Brasil, investimentos em infraestrutura e economia podem se basear na suposição de que vamos extrair e queimar até a última gota de combustíveis fósseis, sem ligar para as consequências climáticas, ou uma transição racional e justa para uma economia sustentável com base nas tecnologias do futuro.

MARK LUTES, especialista em mudanças climáticas, integra a rede de ONGs o Observatório do Clima.

Fonte: Folha de São Paulo




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