A área com extração ilegal de madeira na Amazônia cresceu 19% em um ano, passando de 106 mil hectares entre agosto de 2021 e julho de 2022 para 126 mil hectares entre agosto de 2022 e julho de 2023. O total equivale à retirada de madeira em 350 campos de futebol por dia sem autorização dos órgãos ambientais. As informações lançadas na quarta-feira (9/10), em Brasília, durante o 8º Fórum de Soluções em Legalidade Florestal – O Futuro das Florestas na Amazônia, foram compiladas pelo Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), a cargo de uma rede de organizações de pesquisa ambiental: ICV, Idesam, Imaflora e Imazon.
As áreas de exploração madeireira foram identificadas e mapeadas por meio de imagens de satélite e contrapostas às autorizações de exploração emitidas pelos órgãos ambientais. O Simex é o principal indicador da atividade madeireira legal e ilegal na região amazônica. Os índices reúnem informações de sete estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima).
No total, a área de florestas nativas explorada para fins madeireiros foi de 366 mil hectares, sendo 65% de forma legalizada. Mato Grosso liderou no quesito extensão de área florestal dedicada à exploração madeireira, com 60%, ou cerca de 200 mil hectares. Em seguida, ficaram Pará e Amazonas – 14%, cada um, na casa dos 50 mil hectares.
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Perfil da ilegalidade
A maior parte da extração ilegal (71%) aconteceu em imóveis rurais privados. Ou seja, os principais protagonistas dessa prática criminosa estão identificados em cadastros públicos e são passíveis de responsabilização. Nessa categoria, em torno de 650 imóveis estão envolvidos na extração ilegal, sendo que apenas 20 deles responderam por quase um terço dos ilícitos.
“O problema tem endereço bem conhecido e precisa ser combatido com eficácia”, aponta o coordenador de Inteligência Territorial do ICV, Vinícius Silgueiro. Ele lembra ainda que a ilegalidade não apenas cresceu, como se disseminou: “No ciclo anterior, Mato Grosso concentrava nove de dez municípios e áreas protegidas nos respectivos rankings de devastação ilegal. Esses postos agora estão ocupados também por regiões do Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, o que mostra quão crônica é a atividade ilegal madeireira na Amazônia”.
O segundo tipo de território mais afetado pela extração criminosa foram as Terras Indígenas (com 16%), categoria mais atingida entre as áreas protegidas. As TIs Kaxarari e Tenharim Marmelos lideram o ranking e, não por acaso, ambas se situam em zona de influência da BR-319. As TIs são áreas de proteção integral, apenas para utilização indireta dos recursos naturais, com o objetivo de preservar os modos de vida dos povos tradicionais e a biodiversidade. No entanto, viram alvo fácil do crime, que invade esses territórios, promove degradação e ameaça os indígenas.
Ameaça ao mercado e às comunidades
André Vianna, diretor-técnico do Idesam, destaca que a exploração predatória afeta a oferta legal de madeira. “Há uma exposição a situações de risco para os trabalhadores que participam da atividade ilegal aliada a um impacto extremamente negativo para o mercado. O produto ilegal compete com a madeira licenciada, prejudicando todo o setor, tanto pelo achatamento do preço quanto em termos reputacionais, o que dificulta o acesso a mercados que valorizam o produto e pagam mais por ele.”
O cenário se agrava quando associado à constatação de uma queda de 17% na área de exploração autorizada, que passou de 288 mil hectares entre agosto de 2021 e julho de 2022 para 239 mil hectares entre agosto de 2022 e julho de 2023. Para Leonardo Sobral, diretor Florestal do Imaflora, aumentar o manejo florestal responsável é o caminho para combater as ilegalidades na extração madeireira e gerar benefícios para todo o planeta. “Com o acirramento das mudanças climáticas, o manejo florestal é fundamental para reduzir emissões e conservar a floresta em pé enquanto gera renda e desenvolvimento social. A extração ilegal leva à degradação, aumentando riscos de incêndios, perda de biodiversidade e conflitos fundiários.”
Dalton Cardoso, pesquisador do Imazon, destaca que a exploração madeireira realizada a partir de planos de manejo autorizados pelos órgãos ambientais precisa ocorrer de forma sustentável, gerar empregos e pagar impostos. “É muito importante que os governos criem mecanismos para incentivar a atividade legalizada e fiscalizá-la de forma efetiva. O aumento da ilegalidade gera danos ambientais, ameaça povos e comunidades tradicionais e enfraquece o setor madeireiro, além de prejudicar a imagem do país no mercado internacional", afirma.
Forte queda na produção
A atividade madeireira foi objeto de um segundo mapeamento, também apresentado no 8º Fórum de Soluções. Produzido pela plataforma Timberflow, mantida pelo Imaflora e dirigida a operadores de mercado, esse mapeamento aponta recuo na produção madeireira da Amazônia. Segundo o levantamento, entre janeiro e dezembro de 2023, a extração de produtos madeireiros na região atingiu seu mais baixo patamar desde 2010, passando de uma média de 10 a 12 milhões de metros cúbicos de madeira em tora para 5,8 milhões de metros cúbicos.
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Baseada em dados oficiais, como o Documento de Origem Florestal (DOF) e a Guia Florestal (GF), que registram origem e transporte de produtos madeireiros da Amazônia, a plataforma acaba de ser redesenhada, com apoio de especialistas da Universidade de São Paulo, para utilizar modelos matemáticos que permitem aos compradores da madeira amazônica dimensionar a probabilidade do risco de ilegalidade em algum elo da sua cadeia de fornecimento.
Várias hipóteses se combinam para explicar a grande queda na produção em 2023. A primeira, apontada inclusive por produtores, é que a demanda caiu e os estoques estão altos no mercado interno, responsável por 92% do consumo. A segunda tem a ver com a imagem da madeira nativa. Poucos entendem que a produção madeireira sustentável é possível (e desejável), e o medo de envolvimento com madeira ilegal alimenta o surgimento gradativo de matérias-primas substitutas e mais baratas. “Um terceiro fator é a falta de uma estratégia para o setor, envolvendo atores públicos e privados. É preciso conectar as iniciativas públicas, como o impulso às concessões, a estratégias de valorização da atividade e de fomento do mercado, ou o futuro da atividade estará fortemente comprometido”, alerta Sobral.
A retração no consumo está presente no mercado interno e externo. E tem como agravante a concentração de 50% da demanda em apenas oito das mais de mil espécies madeireiras que a Amazônia oferece. As campeãs desse ranking são ipê, tauari e maçaranduba – o que prenuncia novos problemas para o setor. É que o ipê e o cumaru foram incluídos no Anexo 2 da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção. Com manejo responsável, elas podem ser exploradas, mas os produtores temem uma reação do mercado semelhante à que ocorreu quando o mogno brasileiro foi incluído nessa lista e simplesmente perdeu toda demanda.