Falta água, falta energia, falta gestão ambiental
11/03/2015
Luís Fernando Guedes Pinto
A crise hídrica e a perspectiva de falta de energia devem ser aproveitadas como uma dolorosa oportunidade para entendermos a importância da gestão ambiental para o planejamento de longo prazo do Brasil. Parece que finalmente está ficando claro que a economia e o bem estar das populações dependem da conservação dos recursos naturais e da proteção da natureza e que uma dimensão depende da outra.
Sabemos que a falta de água decorre de um evento climático extremo concentrado principalmente no Sudeste Brasileiro, destes que ocorrem de tempos em tempos. Mesmo que acentuado pelas mudanças climáticas, é difícil aceitar que a região que responde pela maior parte do PIB nacional e abriga a maior população do país não esteja preparada para uma situação extrema de seca ou de qualquer outro tipo. E que as soluções adotadas são remendos que não consideram o todo e nem as causas dos problemas.
A escassez de água afeta a produção agropecuária e pode impactar a oferta e o preço de alguns alimentos. Pode também diminuir a produção industrial. A percepção de escassez de insumos produtivos básicos, como água e energia, inibe os investimentos de longo prazo. Ambos afetam a economia, a oferta de emprego e uma cascata de consequências no curto e longo prazo. O estoque inadequado de água nas residências pode aumentar a incidência de dengue. A falta de água também afeta a rotina de hospitais e escolas, minando a saúde pública e a educação. E por aí vai.
Enfim, os impactos são muitos e em várias dimensões que afetam a nossa vida e o nosso futuro de maneira muito mais intensa do que aparece na superfície. Tudo porque está faltando água. E falta água não somente pelo mau humor de São Pedro (que tem o direito de se chatear mais ou menos de tempos em tempos), mas muito devido a falta de planejamento voltado à produção, armazenamento, distribuição e uso de água.
Vamos aos exemplos: a crise hídrica se liga diretamente com a possibilidade de falta de energia, uma vez que nossa matriz energética é fortemente baseada na produção hidroelétrica. Sempre nos orgulhamos disto, por resultar em uma matriz renovável e limpa. Porém, apesar de podermos produzir muito mais energia limpa e renovável, seja eólica, solar ou da biomassa; a solução para a crise hídrica é queimar carvão e óleo. Estes não são renováveis, são poluentes e acentuam o aquecimento global e as mudanças climáticas. Portanto, a solução vai na contra-mão e somente causa mais chateação para São Pedro, que pode se tornar um Santo totalmente imprevisível.
Outro caso simples nos ajuda a perceber a rede de problemas e soluções. A agricultura é vítima da seca. Dependendo da forma como é feita a produção no campo e a ocupação das nossas terras, ela pode proteger ou degradar as nascentes, os cursos d´água e colaborar para produzir mais ou menos água. Se produzir mais água, ajuda a encher os nossos reservatórios e produzir mais energia das hidroelétricas. Já produz e pode produzir ainda mais energia como combustível, seja o etanol ou o biodiesel dos grandes e pequenos produtores. Os resíduos agrícolas e agroindustriais podem produzir eletricidade diretamente, seja em grande escala, como nas usinas de cana-de-açúcar, ou nos domicílios e agroindústrias rurais, via biodigestores. Enfim, é possível construir um ciclo virtuoso agricultura-água-energia. E o que temos? O inverso: uma política agrícola baseada no crédito para o produtor plantar e colher em talhões, que não reconhece a propriedade e a sua gestão e muito menos as bacias hidrográficas. Uma lei florestal que determina que a produção agropecuária deve proteger o mínimo possível dos recursos hídricos. Uma política energética que não estimula os biocombustíveis, a bioeletricidade e as outras energias renováveis. A maior parte dos investimentos e atenção estão voltadas pra explorar petróleo das profundezas do oceano em situação de alto risco de acidentes e jogando mais fumaça pra São Pedro se chatear.
E por aí também vai, ou melhor, não vai a nenhum lugar ou anda para trás. Seguimos na contra-mão, atiramos no próprio pé, sempre nos remendos de curto prazo e esquecendo do interesse público. Desconsiderando as vocações e dádivas do país gigante pela própria natureza ameaçada e degradada, que permanece se afundando em berço esplêndido.
Luís Fernando Guedes Pinto, 43, é engenheiro agrônomo, doutor em agronomia e Gerente do Imaflora.