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O rumo da agropecuária em um país anfitrião da COP 30

10/02/2025

Marina Piatto*

 

Como um sinal do seu compromisso como anfitrião na COP 30, o Brasil adiantou o anúncio de sua nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês), as metas nacionais para combater as mudanças climáticas, no fim de 2024. O compromisso assumido é o de reduzir entre 59% e 67% as emissões de gases de efeito estufa (GEE), comparadas aos níveis de 2005. A agropecuária terá papel primordial no alcance dessa meta, uma vez que é responsável por 28% das emissões brasileiras, conforme os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), ao mesmo tempo que é um dos setores mais desafiadores, devido à dificuldade de intensificar o engajamento de diferentes atores da cadeia em práticas sustentáveis e à necessidade de multiplicar políticas públicas de estímulo ao desenvolvimento socioambiental do setor.

 

O detalhamento de como se dará a redução das emissões nacionais será feito por meio do Plano Clima, que deverá ficar pronto em meados de 2025. Com dois pilares – mitigação e adaptação –, o Plano Clima funcionará como um guia para as ações que deverão ser promovidas pelo Brasil para cumprir seu objetivo de redução de emissões até o ano de 2035 e será subdividido em planos setoriais. 


O setor agropecuário viu aumentar suas emissões nos últimos quatro anos e grande parte se deveu ao crescimento do rebanho bovino. Com o segundo maior rebanho do mundo, atrás apenas da Índia, o país bateu um novo recorde em 2023, com um crescimento de 1,6%, que elevou o rebanho nacional a 238,6 milhões de cabeças de gado, maior número desde 1974, quando começou a série histórica da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM). Resultaram daí emissões da ordem de 405 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (MtCO2e), resultantes principalmente do processo de fermentação entérica – o popular “arroto” do boi. 

 

Apesar da participação expressiva nas emissões nacionais, a produção agropecuária ficou de fora do recém-sancionado mercado regulado de carbono brasileiro, que estipulou limites de emissões e estabeleceu a possibilidade de compensação por meio da compra de créditos de carbono pelas empresas que ultrapassem os limites traçados. A regulamentação do mercado de carbono por si só é uma grande conquista para avançar no cumprimento das metas climáticas. Porém, o setor do agro primário, responsável pela produção rural, ficou de fora das metas obrigatórias, o que representa uma grande perda de oportunidade. Seria muito importante que fosse determinado um teto também para a atividade, a fim de impulsionar investimentos e estímulos para melhorar a eficiência, a tecnologia e a implementação de métodos mais sustentáveis de produção, bem como a remuneração de produtores que já são eficientes.

 

É possível manter a produtividade e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Uma das formas é consorciar áreas de pastagem, agricultura e plantio e floresta, no sistema conhecido como Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), proporcionando a compensação das emissões advindas da pecuária pelas outras culturas. Boas práticas agropecuárias, como pastagens rotacionadas e bem manejadas, boa genética animal, suplementação nutricional também levam a menor intensidade de emissão e melhor produtividade. 

 

Aliado a isso, é preciso recuperar solos degradados, fixando carbono no solo e retomando assim, a atividade econômica. Atualmente, estima-se que o Brasil possua entre 40 e 50 milhões de hectares de áreas degradadas que poderiam ser recuperadas, com parte significativa destinada à produção agropecuária. O manejo do solo é outra frente que merece atenção. Ainda conforme o SEEG, em 2023, 188 MtCO2e foram emitidos a partir do manejo de solos. Práticas como rotação de pastagens e plantio direto, se aplicadas em larga escala, poderiam minimizar esse impacto. 


Outro desafio é lidar com o desmatamento, muitas vezes ocasionado pela expansão de áreas para a atividade agropecuária. Quando olhamos para as commodities, como carne, soja e café, esse tipo de irregularidade em breve não será mais tolerado pelo mercado internacional. A partir de janeiro de 2026, a lei antidesmatamento da União Europeia (conhecida como EUDR) irá proibir a entrada de commodities provenientes de áreas desmatadas após 2020. Inicialmente prevista para iniciar em 2025, a EUDR foi adiada, propiciando ao setor mais tempo para adequações. Mal o alerta está no ar, e o despreparo do setor frente à entrada iminente da EUDR em vigor evidencia a necessidade de políticas públicas de apoio e incentivo a pequenos e médios produtores, principalmente, para se regularizarem e transitarem para modelos de produção ambientalmente responsáveis. 


Houve avanços em 2024. O primeiro deles foi o lançamento, em setembro, do Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA) pelo governo do Pará, que conta com o segundo maior rebanho do País. O sistema pretende identificar todo o gado do estado até o final de 2025, coincidindo com a COP 30, e concluir o processo de identificação até dezembro de 2026. Será possível rastrear os dados sobre as fazendas onde cada animal nasceu e por onde passou nas etapas de engorda e abate.

 

Em nível federal, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) também lançou o Plano Nacional de Rastreabilidade Individual da Pecuária, que prevê a identificação obrigatória de bovinos e bubalinos em todo o território nacional até 2032 e dá um prazo de dois anos para que todos os estados implementem os sistemas que permitirão aos produtores realizarem o registro do gado junto ao governo federal. Além disso, foi anunciada a Plataforma AgroBrasil+Sustentável, instrumento que permitirá qualificar a produção brasileira em relação a quesitos socioambientais. 

 

São iniciativas que demonstram que é possível atuar na raiz do problema de forma pragmática, sem a exclusão de produtores que não estejam totalmente adequados às exigências do mercado. Com a realização da próxima COP em plena Amazônia, os olhos do mundo estão voltados para o Brasil. A agropecuária brasileira tem todas as condições de demonstrar ao mundo a viabilidade de caminhar para uma economia descarbonizada e responsável. Cabe ao país a missão de fortalecer a confiança no multilateralismo e na promoção de metas mais ousadas para a redução das emissões por parte de cada um dos atores da cadeia produtiva e assim, cumprir o Acordo de Paris. 

 

* Marina Piatto é diretora executiva do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)

 

Artigo originalmente publicado no Anuário DBO 2025.

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