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Opinião: Empresas precisam rastrear e tornar transparente seus processos produtivos

26/02/2013

MAURICIO DE ALMEIDA VOIVODIC
ESPECIAL PARA A FOLHA

O escândalo da adição fraudulenta da carne de cavalo à bovina em alimentos congelados comercializados na Europa evidencia um grande desafio que deve ser enfrentado não apenas pelo setor do agronegócio, mas por todas as cadeias produtivas de commodities: o de conhecer e garantir a origem da matéria-prima utilizada em seus produtos.

Os danos chegaram à JBS Toledo, subsidiária belga da brasileira JBS, elo de uma complexa corrente do comércio globalizado, na qual um boi pode crescer e ser abatido no Brasil, sua carne ser processada na Romênia e no Chipre para finalmente ser consumida no Reino Unido.

Já o couro do mesmo animal pode seguir um caminho totalmente diferente, mas não menos tortuoso, passando pelas mãos de um designer de moda na Itália para finalmente tomar a forma de uma sofisticada bolsa em um desfile em Paris. Ou ainda virar um tênis pelas mãos de operários na China, que será vendido na rua 25 de Março, em São Paulo.

São diversos os fatores macro e micro-econômicos que favorecem essa situação, levando as grandes indústrias mundiais a alocarem seus recursos de produção onde e como for mais eficiente e barato. Estaria tudo certo se não fosse o problema fundamental dessa situação: o fato de que as indústrias que atuam nesse concorrido varejo perderam por completo o domínio da informação sobre a origem das matérias-primas que utilizam e que chegam com suas marcas aos consumidores do mundo todo.

Esse problema torna-se ainda maior, uma vez que estamos em plena era da informação e da conectividade. A fraude da carne de cavalo chegou ao mundo todo em poucos minutos, causando danos graves à reputação das empresas envolvidas e, consequentemente, aos seus mercados e faturamentos.

Além disso, os consumidores hoje estão acostumados a terem acesso rápido e irrestrito a um volume imenso de informação e não deverão aceitar por muito tempo o convívio com essa grande "caixa preta" da cadeia produtiva de commodities, que nos impede de saber a origem dos produtos que consumimos.

Já ficou claro também que o consumidor não está preocupado apenas com o risco de consumir gato por lebre, ou no caso, cavalo por boi. Também não queremos mais comprar um produto originado de trabalho escravo ou degradante, que tenha desmatado a Amazônia ou utilizado produtos químicos que contaminam o planeta e a nossa saúde.

CAMPANHAS
 
É por isso que as campanhas que associam as grandes marcas a temas dessa gravidade tornaram-se tão populares nos últimos anos, causando sérios impactos às marcas. Para lembrar dois casos clássicos, supermercados brasileiros foram obrigados a rever seus procedimentos quando veio à tona a informação de que compravam carne de produtores que desmatavam a Amazônia e, antes disso, o caso do óleo de palma da Indonésia, usado por uma indústria de alimentos que, além do desmatamento, contribuía com a extinção do orangotango naquele país.

As grandes indústrias mundiais também já dão sinais de que não querem suas cadeias produtivas envolvidas com tais práticas. Um exemplo é a iniciativa The Consumer Goods Forum, uma rede que integra cerca de 400 das maiores empresas globais, que durante a Rio+20 declarou publicamente a meta de alcançar desmatamento zero em suas cadeias produtivas até 2020. O problema é que, como já mencionado, as redes são tão complexas que algumas empresas mal conseguem garantir que a carne bovina de uma lasanha não venha de um cavalo.

E esse é justamente o nó que os setores que trabalham com commodities terão que desatar: transparência em todas as etapas da produção, do início ao fim, incluindo a responsabilidade sobre empresas terceirizadas. Precisamos de empresas que possam nos fornecer produtos e, ao mesmo tempo, nos informar sobre a origem de suas matérias-primas.

Precisamos ter garantias de que, ao longo da cadeia produtiva, esses materiais não estão causando mal para a sociedade nem para o planeta. E precisamos disso logo.

RASTREABILIDADE
 
O termo técnico para o processo que garante que informações sobre os produtos sejam passadas ao longo dessas diversas etapas é rastreabilidade. Essa palavra tem se tornado um mito, pois já se afirmou que seria impossível garantir a origem de matérias-primas utilizadas por uma grande indústria global ou até mesmo que seria inviável garanti-la na cadeia da carne, uma vez que o gado se locomove ao longo das suas etapas de vida, podendo nascer em um lugar, crescer em outro e morrer em um terceiro.

O fato é que o caso da carne de cavalo nos mostra que simplesmente não podemos mais aceitar que as empresas não façam a rastreabilidade de seus produtos. Essa cômoda situação tornou-se insustentável.
Iniciativas recentes no Brasil e no exterior mostram que a rastreabilidade é tecnicamente possível e que é uma tendência que realmente veio para ficar. Uma delas é a certificação de fazendas de pecuária no Mato Grosso, pela Rede de Agricultura Sustentável, que comprovam a rastreabilidade de suas carnes no pasto --onde cumprem com rigorosos critérios socioambientais--, nos frigoríficos e nas demais etapas de processamento, chegando até supermercados e ao mercado externo.

Graças a essa rastreabilidade, a carne certificada tem maior facilidade de acessar a Cota Hilton do exigente mercado Europeu. Outro exemplo vem da gigante e abrangente rede McDonald's, cujo programa Além da Cozinha, em lançamento no Brasil e na Austrália, já permite que o consumidor veja em seu celular a origem de todos os produtos contidos em seu sanduíche.

Agora cabe às empresas assumir o compromisso de garantir a rastreabilidade e ampliar a transparência de seus processos produtivos. E a nós, consumidores, cabe o importante papel de utilizar essas informações para escolher o que compramos e de quem compramos.

MAURICIO DE ALMEIDA VOIVODIC, 33, engenheiro florestal e mestre em ciência ambiental pela Universidade de São Paulo, é secretário-executivo do Imaflora. A ONG faz parte da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais
Fonte: Folha de São Paulo/Mercado 

 

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