Por Tayane Carvalho - Engenheira florestal, analista de projetos do Imaflora.
Quando pensamos na conservação da Amazônia, geralmente associamos a Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Embora essas áreas protegidas sejam pilares fundamentais da conservação ambiental, uma categoria menos conhecida, mas não menos importante, está no centro das discussões sobre o futuro da floresta: as Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs).
As FPNDs, que cobrem cerca de 63 milhões de hectares na Amazônia Legal – uma área maior que a França –, representam uma oportunidade estratégica para equilibrar a conservação ambiental, o desenvolvimento sustentável e o combate às mudanças climáticas. Mas sem uma destinação clara e proteção efetiva, essas florestas se tornaram o maior alvo do desmatamento, madeireiros ilegais, grileiros de terras e especuladores fundiários.
Por isso, proteger e destinar as FPNDs é essencial para garantir o futuro da Amazônia. Neste espaço, explico o porquê elas são tão importantes e como podem se tornar um exemplo de conservação integrada ao desenvolvimento sustentável.
O que são as FPNDs e por que estão em risco?
Como ainda não possuem uma destinação específica definida por lei, como Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Assentamentos Rurais, as FPNDs são vulneráveis a ocupações ilegais e ao desmatamento, apesar de serem consideradas patrimônio de toda a sociedade. No sul do estado do Amazonas, as FPNDs cobrem 11,7 milhões de hectares, ou 19% do total das FPNDs na Amazônia Legal. Essa região é uma das mais pressionadas pelo desmatamento no Brasil, especialmente nas áreas próximas à rodovia BR-319. Na edição nº 17 do Boletim Técnico Timberflow, com título “Oportunidades para Conservação de Florestas Públicas Não Destinadas na região da rodovia BR-319”, a Iniciativa de Legalidade Florestal, liderada pelo Imaflora, revelou que 813 mil hectares dessas florestas já foram desmatados até 2023, sendo que quase metade dessa área desmatada aconteceu entre 2019 e 2022, período marcado pelo enfraquecimento das políticas ambientais no país.
Sem destinação e proteção efetivas, as FPNDs continuarão sendo vistas como “terra de ninguém” e seguirão no radar de atividades ilegais, como grilagem, exploração predatória de madeira e expansão de pastagens para pecuária.
FPNDs e o equilíbrio ambiental global
A Amazônia é um regulador climático essencial e um dos maiores depósitos de carbono do planeta. As FPNDs desempenham um papel central nesse equilíbrio. Estima-se que armazenem cerca de 7 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a quase um ano de emissões globais de gases de efeito estufa.
Além disso, essas áreas contribuem para a manutenção do regime de chuvas, fundamentais para a agricultura e o abastecimento hídrico no Brasil e na América do Sul; a proteção da biodiversidade, pois abrigam milhares de espécies, algumas endêmicas e muitas ainda desconhecidas pela ciência; e para os serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do clima e a proteção de solos e recursos hídricos.
O impacto da degradação e do desmatamento dessas áreas tem projeções catastróficas, tanto local quanto globalmente, agravando as mudanças climáticas e colocando em risco a segurança alimentar e hídrica de milhões de pessoas.
O que precisa ser feito?
Destinar as FPNDs de forma estratégica é a iniciativa mais urgente para garantir sua proteção e uso sustentável. Isso inclui definir direitos de propriedade com base em critérios técnicos, tanto ambientais como sociais, e priorizar destinações para Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas; fortalecer a fiscalização ambiental, cancelar registros fraudulentos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e combater a grilagem de terras; incentivar políticas de bioeconomia, estimular cadeias produtivas sustentáveis, como a coleta de Produtos Florestais Não Madereiros (PFNMs) e o turismo de base comunitária.
O futuro da conservação passa pelas FPNDs
As Florestas Públicas Não Destinadas não são apenas áreas de floresta: elas são uma oportunidade. Proteger essas áreas significa garantir o futuro da Amazônia, cumprir metas climáticas globais e oferecer uma alternativa econômica sustentável para o Brasil.
Com ações coordenadas entre governos, sociedade civil, setor privado e as comunidades locais, é possível transformar as FPNDs em um modelo global de desenvolvimento sustentável. A questão não é se devemos agir, mas quando. E a resposta é clara: o momento é agora. Conservar as FPNDs é investir no futuro da floresta, do clima e da humanidade.
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