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Projeto de fortalecimento da cadeia da borracha nativa é um convite para repensar práticas de ESG

28/07/2025

Implementado pela Mercur S.A., o Borracha Nativa conta com apoio da rede Origens Brasil® e mobiliza seringueiros e indígenas de Pará e Rondônia, com potencial para produção anual de 30 toneladas de borracha.

 

A replicação bem-sucedida do projeto Borracha Nativa entre a Mercur S.A. e comunidades indígenas e extrativistas da região amazônica é uma boa notícia para a bioeconomia. “Essa duplicação em diferentes estados e comunidades joga luz sobre alguns princípios fundamentais para que esses modelos de negócios prosperem”, afirma Luiz Brasi Filho, gerente da rede Origens Brasil®, administrada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Ele lembra que o momento para essa reflexão por parte das empresas é muito oportuno, considerando que o Brasil está prestes a apresentar sua Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB), pelo qual serão consideradas boas práticas por parte de grandes empresas o monitoramento e a adoção de medidas para reduzir os danos das suas atividades sobre a sociobiodiversidade. “Essa exigência abrirá um novo capítulo nas práticas de ESG, estimulando um olhar transformador para as cadeias de fornecimento em busca de soluções produtivas baseadas na natureza, na conservação de florestas e recursos naturais e no reconhecimento das populações tradicionais e indígenas como guardiãs desse patrimônio”, afirma Brasi.

 

“A construção de parcerias que valorizem a economia da floresta não se guia por uma lógica de mercado, que considere apenas o preço da matéria-prima e a competitividade do produto no ponto de venda”, alerta Jefferson Straatmann, coordenador de projetos do Instituto Socioambiental (ISA), instituição criadora da rede Origens Brasil® juntamente com o Imaflora. Ele explica que a borracha da Amazônia, extraída do modo tradicional, chega ao destino com um custo duas a três vezes maior do que a matéria-prima oriunda de monocultura ou mesmo de petróleo, sem oferecer um benefício adicional evidente para quem irá comprar o produto final – no caso, uma borracha de apagar de uso escolar. “O que viabilizou a parceria e tornou o caso da Mercur emblemático foi a disposição de encontrar soluções para pôr a operação em pé”. 

 

Reparação histórica

Com cem anos de estrada, a Mercur é uma empresa do Rio Grande do Sul, cuja trajetória se mistura com a história da borracha no Brasil. Ela surgiu para fazer reparos em pneus e foi ampliando o portfólio de produtos, usando como matéria-prima o látex vindo da região amazônica. Por questões de custo, isso mudou a partir da década de 1970, quando o interior paulista passou a cultivar seringueiras em sistema de monocultura e, mais tarde, com a chegada de borracha sintética, derivada de petróleo. “Esses dois movimentos trouxeram redução de custo, mas deixaram como saldo o enfraquecimento da atividade na Amazônia”, resume Alexandre Antinarelli, consultor da Mercur. Em 2010, ao adotar um posicionamento estratégico voltado à sustentabilidade, a Mercur começou a medir seus impactos e percebeu a necessidade de resgatar passivos sociais, como o de ter deixado à margem as populações de seringueiros do Norte, suas fornecedoras por décadas no passado. 

 

Essa tomada de consciência foi o ponto de partida para a aproximação da empresa com a rede Origens Brasil®, aprofundando o entendimento da importância dessas populações tradicionais como guardiãs da floresta. Nascia, assim, o projeto Borracha Nativa, que inicialmente mobilizou produtores da rede Terra do Meio em quatro terras protegidas do Pará: as Reservas Extrativistas Rio Xingu, Riozinho do Anfrísio e Rio Iriri e a Terra Indígena Xipaya. Isso aconteceu em 2012 e se converteu em uma produção anual em torno de cinco toneladas de látex. “Nos últimos anos, identificamos a possibilidade de expandir o uso dessa borracha para até 30 toneladas ao ano e, por isso, ampliamos o projeto para quatro terras indígenas do território Tupi-Guaporé, em Rondônia. O Pacto das Águas é a instituição que faz a interface com os indígenas das cinco áreas agregadas – Arara, Amondawa, Gavião, Rio Branco e Suruí Panang. Novamente, a rede Origens Brasil® está presente na parceria, pois acreditamos que é importante garantir a rastreabilidade dos produtos feitos com essa borracha nativa e levar aos consumidores a história desses seringueiros”, diz Antinarelli.

 

Não é só borracha

A principal dificuldade na concepção do projeto foi a equalização de preço. Por um lado, havia o compromisso de praticar um comércio ético, que garantisse remuneração justa aos trabalhadores envolvidos. Por outro, a pressão de mercado achatando os valores – afinal, borracha é commodity e, como tal, precificada segundo as leis da concorrência. “Algumas experiências foram feitas na tentativa de melhorar a competitividade do produto nativo, com idas aos territórios e desenvolvimentos de tecnologias, como uma manta de borracha seca que dispensaria a etapa (e os custos) do beneficiamento”, lembra Straatmann. Não funcionou, porque demandava muito tempo, equipamentos e mão de obra, mas deixou como legado para as comunidades um produto novo. Outro legado tecnológico dessa fase foi o aprimoramento do processo de emborrachamento de tecido, produto hoje comercializado pelas comunidades para confecção de bolsas.

 

A equação do custo, por sua vez, foi resolvida pela agregação de um pagamento por serviços ambientais (PSA) ao preço do látex. O produto obedece a uma lógica comercial enquanto o PSA é uma despesa de ESG, compartilhada por diferentes áreas da empresa. Com isso, os produtos de borracha nativa ficam comercialmente viabilizados, e os seringueiros recebem uma remuneração até três vezes superior à praticada no mercado, tendo o PSA como principal parcela. 

 

O conceito de serviço ambiental, lembra Straatmann, refere-se a toda atividade individual ou coletiva que mantenha ou promova benefícios e serviços ecossistêmicos: “É o que os seringueiros fazem. Ao percorrerem o território extraindo o látex com os seus tradicionais copinhos, eles limpam a área de manejo, inibem a ação de grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, coletam sementes, palha, ervas medicinais, contribuindo para a conservação daquele ambiente e para o desenvolvimento de uma atividade econômica compatível com a manutenção da floresta em pé”.     

 

Respeito ao modo de viver e produzir

Hoje, o Borracha Nativa pode ser considerado um projeto consolidado e uma referência em ações de ESG voltadas ao desenvolvimento de cadeias de fornecimento sustentáveis. O látex extraído fica armazenado na comunidade e é retirado duas vezes ao ano, obedecendo à sazonalidade do produto. Nos intervalos, tanto os seringueiros quanto os indígenas costumam engrossar o orçamento com a coleta de outros produtos florestais, como castanha, copaíba, sementes para restauração ecológica e uma multiplicidade de produtos que ajudam a garantir estabilidade financeira para as comunidades e a manter essa economia da diversidade viva. 

 

“Temos a ambição de duplicar a absorção de borracha nativa em nossa linha de produção, mas não impomos metas nem pressionamos para aumento de entregas, pois o objetivo é contribuir para que esse modo de vida e de trabalho prospere. Se as duas parcerias estabelecidas hoje não atingirem as toneladas pretendidas, nada impede que se busque uma terceira comunidade parceira. Mas sem pressa. É preciso dar tempo para que cada parte atinja seu potencial”, explica Jorge Hoelzel Neto, Facilitador de Direção da Mercur.

 

Investimento em formação

De fato, a recuperação da cadeia produtiva da borracha na Amazônia tem sido um processo lento. “Muitos que agora atuam na extração do látex, com idade entre 45 e 50 anos, precisaram aprender a trabalhar com seringa, devido a um longo tempo sem transmissão desse conhecimento entre gerações”, conta o ex-seringueiro Sávio Gomes, que cresceu no Amazonas e representa o Pacto das Águas. Segundo ele, o desafio atual é reengajar os jovens que, durante anos, se distanciaram da atividade por não a reconhecerem como fonte de renda viável. Para superar essa barreira, o Borracha Nativa investe na capacitação técnica das novas gerações: “A revitalização da cadeia da borracha não deve ser um projeto isolado, mas parte de um esforço mais amplo para melhorar as condições de vida e educação nas comunidades amazônicas”, defende Gomes.

 

A essa lista de desejos, o presidente da rede Terra do Meio, Francisco Assis, seringueiro desde garoto, acrescenta o compromisso com a floresta e o meio ambiente: “Esse é um dever das empresas e dos membros da rede. Não abro mão. O Borracha Nativa fez avançar o manejo da floresta. Todo dia tem alguém na mata, tirando o látex, vigiando, sem dar espaço para os invasores”, diz. Ele afirma que a borracha trouxe educação e oportunidade para a Terra do Meio e que cabe aos jovens manter esse legado: “Afinal, o mundo é um livro aberto e nós escrevemos aquilo que queremos e desejamos para nós”, conclui.

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