Pronto pra crescer, Origens Brasil® quer estimular a reflexão sobre o papel das empresas na nova economia
13/06/2016
As características inéditas da iniciativa foram tema de uma longa conversa entre o economista Ricardo Abramovay, referência em sociologia econômica e Patrícia Cota Gomes, engenheira florestal, que trabalha há 15 anos com instrumentos de valorização da produção extrativista.
Ricardo Abramovay - Colocar populações tradicionais em contato com o mercado tem sido, na idade moderna, um fator de muita destruição. Por que é que nesse caso você acha que vai ser diferente?
Patrícia Cota Gomes – A diferença é que nesse caso, o chamado veio das próprias populações tradicionais. Um dos desafios que estes povos enfrentam é encontrar uma forma de permanecerem em seus territórios, vivendo na floresta e da floresta, exercendo suas atividades tradicionais, com remuneração adequada pelos serviços prestados por esse trabalho. As atividades que atualmente batem à porta dessas populações são predominantemente ilegais e predatórias, como a extração ilegal da madeira e o garimpo. E isso não dialoga em nada com a conservação, e muito menos com a produção tradicional. O Origens Brasil® nasce dessa demanda, criar um instrumento econômico capaz de valorizar as populações, seus territórios e seus produtos.
RA - As empresas que estão aderindo ao selo, não são as únicas que mantém contato com populações tradicionais. Quais são os critérios pelos quais são escolhidas?
PCG – Primeiro, empresas realmente dispostas a estabelecer novos modelos de negócios com as populações da Amazônia, pautada no diálogo, no respeito ao modo de vida tradicional e interessadas em construir soluções conjuntas para os desafios encontrados. Segundo, empresas cujos produtos tenham potencial de chegar à mesa do brasileiro para que, através do selo, possam ter acesso às histórias associadas ao produto e conhecer o papel que os povos tradicionais desempenham para a conservação das nossas florestas. E a partir desses critérios identificamos empresas como a Mercur, Wickbold, Firmenich e Pão de Açúcar, que estão demonstrando que é possível estabelecer uma relação comercial direta com as populações, reduzindo os atravessadores e maximizando os benefícios para estas populações.
RA - Uma das táticas desses atravessadores, na relação com as populações tradicionais, é fomentar a divisão no interior delas. Oferecem presentes, dinheiro. Isso é muito claro no caso da Eletronorte e de Belo Monte. Como você analisa isso, em ambiente tão corroído pelo banditismo empresarial?
PCG – Ah, essa divisão está na origem da ocupação de muitas regiões da Amazônia. Muitas famílias, como é o caso da região da Terra do Meio, no Pará, chegaram até lá impulsionadas pelo ciclo da borracha, para trabalhar como seringueiros. O acesso aos produtos e bens, se dava exclusivamente por meio dos patrões e por meio de troca pela produção. Acabado esse ciclo , os patrões saem de cena e estas populações ficam isoladas. E nesse cenário, o atravessador cresce e passa a ter um papel importante, principalmente de comunicação e acesso, até porque ele está presente onde o Estado muitas vezes não chega. Várias empresas que consomem produtos da biodiversidade desconhecem esta realidade e ainda se abastecem de produtos vindos destes atravessadores. O interessante é que o Origens Brasil® está aterrissando em territórios onde já existe uma organização estabelecida para a produção, e tem alterado a forma como os atravessadores locais atuam, estimulando que estes aumentem os preços pagos pelos produtos na região, caso contrário correm o risco de ficar sem a produção.
R.A - Esse reconhecimento permite dizer que as chances dessas atividades comerciais se ampliarem são grandes ou para que não sejam desvirtuadas terão um caráter minoritário, de nicho?
PCG - Nós sabíamos de antemão que o Origens Brasil® não seria para todos os territórios. Existem alguns requisitos. É preciso que as populações tradicionais residam em corredores de áreas protegidas, porque essas áreas reconhecidas pelo Estado criam as condições e dão a segurança para que as populações permaneçam nela. Depois, que exista uma organização e governança local para a produção, essencial para que as cadeias produtivas se estruturem. E, por fim, que estes corredores de áreas protegidas apresentem uma diversidade sociocultural significativa, como é o caso do Xingu. Estamos fazendo o mapeamento de até onde a iniciativa pode crescer. Já sabemos que temos condições de ganhar escala, sim, tem diversos territórios que reúnem essas características principalmente na Amazônia.
RA – Essa é uma iniciativa que não é nem do governo nem de uma empresa. É uma construção coletiva, uma junção de corpos muito diferentes, cujo relacionamento não é tão óbvio.
PCG - O IMAFLORA acredita que iniciativas como estas só conseguem credibilidade e se manter no longo prazo se o coração dela for muito bem pensado. E este coração é a governança. A iniciativa não pode ter dono, não pode ter uma voz que se sobreponha a outras e tem que permitir uma construção coletiva, na qual os diferentes elos envolvidos possam ter voz, estar representados, para que possam contribuir com a melhoria continua da iniciativa, como é o caso das populações tradicionais, das instituições de apoio e das empresas que participam desta governança.
RA – E como é essa estrutura de governança?
PCG - Existe um Conselho Gestor, que é formado por instituições e pessoas, que estiveram envolvidos na criação do Origens Brasil®. Existem os comitês territoriais, formados pelas populações e atores locais, cujo objetivo é identificar os desafios locais para implementação e ampliação da iniciativa em campo e ajudar a pensar soluções para sua melhoria. Existe ainda o comitê de empresas, formado por todas as empresas que aderiram à iniciativa, e finalmente o administrador da iniciativa, que, atualmente, é o IMAFLORA. Existe uma expectativa destes diversos atores de que o Origens Brasil®, através de sua governança, possa estimular a reflexão e o debate acerca do papel das empresas nessa nova economia.
RA - Uma das características mais interessantes do Origens Brasil® é o uso da tecnologia muito avançada pelas populações tradicionais. Como tem sido essa experiência?
PCG – Havia um receio inicial de como as populações receberiam a tecnologia, se isso poderia desagregá-los, ou mesmo desvirtuar os mais jovens com algo externo. Mas, o que estamos vendo é que a tecnologia, já chegou até eles, só que agora está sendo usada a serviço deles, para a gestão e valorização da sua própria produção e cultura, e que, ao contrário do que se temia ,tem funcionado como um fator de união entre eles, estimulando a participação e envolvimento dos jovens nas atividades produtivas e interesse em participar da iniciativa.
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