Os preços dos alimentos sobem, baixam e nós,
consumidores, estamos acostumados a relacionar esses movimentos às estações do
ano com alguma naturalidade. Quando “é a época” de um produto, é fácil
encontrá-lo e a bom preço. Na entressafra, sabemos que é melhor procurar um
substituto. Mas, por que andamos com a sensação de que essa lógica não funciona
mais? Ou, não está sendo suficiente para explicar o que temos visto na natureza
e, por extensão, nas feiras e supermercados?
O engenheiro agrônomo do IMAFLORA Eduardo Trevisan
Gonçalves viaja constantemente pelo Brasil e a partir do que tem observado no
campo, explica um pouco essa relação, quase invisível a olho nu, entre o
esgotamento dos recursos naturais e o nosso orçamento doméstico.
Radar – Como esses fatores se inter-relacionam?
Eduardo – De maneira muito estreita, embora não pareça.
Isso acontece porque o homem vem fazendo um uso desordenado do solo, com a
derrubada de florestas nativas, falta de proteção de nascentes de água, com o
uso incorreto de máquinas e agrotóxicos, por exemplo. Isso vem gerando
desequilíbrios no meio ambiente e dificultando a produção de alimentos. O ciclo
das chuvas se altera, e quando chegam o solo não consegue reter a água para o
período de seca. Produtos químicos usados de forma inadequada matam insetos que
fazem a polinização das plantas e a decomposição da matéria orgânica. Ações
como essas, somadas a outras, em escala continental, causam problemas para a
produção de alimentos.
Radar – Pode dar alguns exemplos de produtos que sofreram
variações de preços devido ao clima?
Eduardo – Podemos citar pelo menos três produtos que, no
ano passado, tiveram seus preços aumentados em virtude das mudanças climáticas:
a laranja, o café e o leite.
No ano passado, a laranja teve sua pior safra dos últimos
25 anos. Os produtores explicam que houve excesso de calor após a floração,
dificultando a formação dos frutos. No caso do café, o estado que é o grande
produtor do grão que consumimos internamente é o Espirito Santo, um estado sem
histórico de seca. Acontece que no ano passado, choveu apenas 1/3 do usual, o
que levou à quebra de aproximadamente 50% da safra. Finalmente, no caso do
leite, as chuvas fortes no sul do país dificultaram o armazenamento e
transporte do produto. Ao lado disso, a seca em Minas Gerais, outro estado
produtor de leite, reduziu as pastagens e, portanto, a alimentação dos animais
ficou prejudicada, o que levou a um aumento de, pelo menos, 25% nos preços aos
consumidores.
Radar – Nesses casos, estamos falando de eventos climáticos
extremos, diferentes dos fenômenos habituais?
Eduardo – Sim, eventos climáticos que são difíceis de se
prever e que afetam a produção de alimentos em todo o planeta.
Radar – E há algum recado para o consumidor? Existe
alguma contribuição ao alcance dele nesse processo?
Eduardo – De certa forma, os consumidores vão observar
que os preços dos produtos agropecuários devem seguir variando devido às
mudanças no clima. É papel de todos apoiar iniciativas que possam ajudar na
conservação do meio ambiente porque são importantes para que os efeitos
climáticos possam ser diminuídos. Por outro lado, existem muitos produtores,
empresas e ONGs trabalhando para tornar a produção de alimentos mais
sustentável e resiliente às mudanças climáticas. Adquirir produtos com
certificação socioambiental ou até mesmo estar mais próximo dos produtores,
conhecendo suas práticas, são ferramentas dos consumidores que contribuem para
a melhoria das condições de produção agropecuária no Brasil e consequentemente
com o clima.
Uma conversa sobre o preço dos alimentos e as mudanças climáticas
16/01/2017
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