Luís Fernando Guedes Pinto
A certificação socioambiental está cada vez mais presente na economia
brasileira, principalmente nos setores de produção de "commodities" para
exportação e onde há riscos para a conservação dos recursos naturais e
para a garantia de direitos humanos e trabalhistas.
Organizações brasileiras (empresas e sociedade civil) foram
protagonistas na criação de sistemas de certificação para os setores de
florestas e agropecuária, como o FSC, a Rede de Agricultura Sustentável,
o Bonsucro e a Mesa Redonda da Soja.
No campo e no mercado, o Brasil também é líder na aplicação da
certificação, onde temos a maior área do hemisfério sul de florestas
certificadas pelo FSC (6,7 milhões de ha), produzimos o maior volume de
café certificado do mundo e os produtos orgânicos certificados
representam R$ 400 milhões.
Em um país com grande heterogeneidade no campo, onde o arcaico e
predatório convivem cerca a cerca com o moderno e as melhores práticas,
um instrumento voluntário de mercado como a certificação faz todo o
sentido. Tanto para reconhecer os produtores e negócios responsáveis
como para estimular os demais a também caminhar rumo a sustentabilidade.
Para isso, os benefícios econômicos da certificação, tangíveis e
intangíveis (acesso a mercados, melhoria de gestão, uso racional de
recursos e diminuição de custos, eventuais sobrepreços, melhores
condições de crédito, garantia para investidores, imagem reputacional,
valorização da marca), devem ser investidos na mudança rumo à
sustentabilidade.
E por que foi necessário criar sistemas de certificação para estimular a escalada rumo à sustentabilidade?
No seu princípio, a certificação foi entendida como um simples mecanismo
de padronização para facilitar o comércio internacional. A ISO foi
criada com esse fim, para termos medidas e produtos iguais: onde um
parafuso fabricado na Índia combinasse com porcas chilenas em uma linha
de montagem no Canadá.
Também vale destacar que a OMC (Organização Mundial) não distingue a
forma de produção de qualquer produto. Para ela, tanto faz se uma banana
foi produzida destruindo as florestas do Equador ou com insumos
orgânicos na Guatemala.
Finalmente, os boicotes e a moratórias comerciais se mostraram
inadequados (boicotes) ou insuficientes (moratórias) para acabar com
situações de produção inaceitáveis do ponto de vista ambiental ou social
no longo prazo.
Enfim, os mecanismos de nacionais e multilaterais, assim como as
iniciativas da sociedade, não estavam dando conta de estimular uma
produção responsável, alinhadas com o conceito de desenvolvimento
sustentável, cunhado no final da década de 80, início de 90.
O caso do boicote europeu à compra de madeira tropical resultou em mais
desmatamento e levou ambientalistas, sindicatos, indígenas, madeireiros e
demais elos desta cadeia produtiva a dialogarem e buscarem um consenso
sobre as melhores formas de produção de madeira que garantisse a
conservação e a garantia de direitos para trabalhadores e comunidades
afetadas, entre outros aspectos.
Combinaram as regras, criaram um selo e o comércio passou a ser
reestabelecido, com uma opção e garantias para todos. Isso ocorreu no
início da década de 90 e o mesmo processo tem ocorrido nas últimas
décadas para o café, os biocombustíveis, a pecuária, a agropecuária em
geral, além de haver selos para a pesca e para o turismo e iniciar-se o
mesmo até para produtos não renováveis, como a mineração.
O fundamental para quem se envolve com a certificação socioambiental
--seja na definição das regras, como empreendedor certificado,
sindicato, consumidor ou certificador-- é ter clareza que trata-se de
algo que envolve interesses privados e públicos, em oposição às
certificações meramente técnicas.
A conservação da biodiversidade, da água e as condições de vida de
trabalhadores e comunidades afetadas por atividades produtivas interessa
a todos, e não somente aos dois lados de relações comerciais
(produtor-comprador). Portanto, há uma ética particular, também
essencial para lhe dar credibilidade.
As regras do jogo e as normas de certificação devem ser definidas de
maneira transparente e com a possibilidade de participação das partes
interessadas.
A adesão à certificação deve ser voluntária e construída como uma
oportunidade de diferenciação e não como uma imposição, que possa se
transformar em barreira comercial.
Os processos de auditoria devem ser conduzidos de maneira independente e
com total transparência por certificadores, que tenham a capacidade de
interpretar as normas para realidades distintas, seja uma grande empresa
ou um assentamento.
Os certificadores devem assumir a responsabilidade de conduzir um
processo de interesse público, que tem o claro propósito de conduzir
mudanças rumo ao desenvolvimento sustentável e não apenas oferecer mais
um serviço em seus portfólios.
O candidato à certificação deve também entender que certificação não se
compra, mas se conquista e é apenas o primeiro passo de um processo de
melhoria contínua de longo prazo.
Ao consumidor final ou corporativo cabe exigir a opção de um produto
certificado, com uma clara mensagem do que aquele certificado ou selo
garante. Para tudo isso é necessário investir intensamente em vários
aspectos, incluindo muito em educação.
Qualquer sistema de certificação deve se preocupar com a equidade na sua
implementação. O sistema deve ser aplicável e acessível para qualquer
perfil de empreendedor. Esse é um dos maiores desafios, pois a tendência
natural de instrumentos de mercado é concentrar e excluir os
marginalizados da economia internacional.
Mas, para um projeto de caráter socioambiental, é fundamental criar
mecanismos para que agricultores familiares, indígenas e comunidades
tradicionais e até pequenos e médios empresários possam participar e
alcançar os benefícios da certificação.
Finalmente, um instrumento de mercado não pode e não deve substituir o
lugar do Estado e dos governos em criar e aplicar leis e cumprir o seu
papel. A certificação é voluntária e deve ir além da lei.
Todavia, são necessárias políticas públicas que reconheçam os benefícios
da certificação para o interesse público e estimulem o engajamento com
esses instrumentos.
E, devido a todas essas oportunidades e complexidades, é muito
importante a proximidade com a academia e o ensino e uma sociedade civil
pujante, com capacidade para garantir os objetivos desse mecanismo.
LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO, 41, engenheiro agrônomo e doutor em agronomia pela Esalq-USP, é gerente de certificação do Imaflora e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.
FONTE:Empreendedor Social da Folha de São Paulo
A ética da certificação socioambiental
21/11/2012
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