As mulheres extrativistas e agricultoras da Amazônia trabalham com uma diversidade de produtos agrícolas. Elas coletam castanhas, babaçu, extraem óleos, produzem farinha de mandioca, polpa de frutas, plantam cacau, pimenta, produzem artesanato e cultivam muitas outras espécies de alimentos, em seus quintais, suas roças e suas florestas.
Apenas a produção já é, em si, uma luta diária, mas não é a única dessas mulheres que vivem e trabalham na Amazônia. As mulheres extrativistas e agricultoras da região precisam, ainda, defender seus territórios. Pode ser um território coletivo, como o Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS Paraíso no município de Alenquer, ou em pequenas propriedadesm como em São Félix do Xingu, municípios paraenses onde o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) atua, por meio do Programa Florestas de Valor. Essas são regiões onde muitos interesses econômicos se sobrepõem e as autoridades nem sempre conseguem estar presentes para fazer cumprir as leis. Nessas condições, os agricultores e agricultoras familiares e extrativistas têm que lutar diariamente para preservar seus direitos, suas terras e seu modo de vida.
As dificuldades dessa batalha diária recaem de forma mais dura sobre as mulheres, que precisam conciliar suas tarefas de produção e de reprodução social, ou seja, as tarefas domésticas da casa e dos filhos, com a produção agrícola e extrativista, além de atuar na defesa de seus territórios. Para isso, as mulheres precisam ter acesso a mais informações, função que ferramentas tecnológicas podem ajudar a cumprir.
Territórios como o PDS Paraíso, por exemplo, dadas as suas dimensões, só podem ser mapeados e compreendidos em sua extensão com o uso de ferramentas que permitam fazer imagens, localizar rios, estradas, áreas de produção e as ameaças reais às quais estão sujeitos.
As mulheres do PDS Paraíso têm dificuldades em saber exatamente o tamanho de suas áreas de plantio e coleta, bem como as condições ambientais e de conservação dessas áreas, e um aplicativo que utiliza informações geoespaciais poderia ajudá-las a estimar o potencial produtivo dos diferentes recursos dentro do território. Elas também esperam obter informações sobre a agricultura familiar, como: quantas famílias vivem lá, o que produzem, onde se localizam. Com essas informações teriam mais condições para planejar o desenvolvimento do território, tanto quanto para defendê-lo.
Nesse sentido, uma ferramenta geoespacial como o aplicativo TerraOnTrack (https://www.imaflora.org/terraontrack/), desenvolvido pelo Imaflora no âmbito do programa SERVIR-Amazônia - lançado em 2021-, pode proporcionar a essas mulheres a possibilidade de obter essas informações. O aplicativo funciona como uma ferramenta de duas vias. De um lado elas podem aportar as informações para uma plataforma que reúne dados qualificados para a pesquisa e para a gestão dos territórios, de outro elas podem acessar a plataforma e ver seu território de forma ampla e qualificada, utilizando o aplicativo como ferramenta de planejamento e de defesa.
Protegendo-se de ameaças externas
Já para as agricultoras da Associação das Mulheres Produtoras de Polpa de Frutas (AMPPF) de São Félix do Xingu, outras questões fazem parte da sua luta diária. Elas vivem em pequenos lotes onde cultivam seus produtos agrícolas em Sistemas Agroflorestais - SAFs. Com a adoção desse tipo de plantio, foram introduzidas muitas árvores frutíferas, além das já existentes, por isso, o carro forte da comunidade passou a ser a produção de polpa de frutas orgânicas. Através de uma associação, elas conseguem vender sua produção a um programa de compras públicas destinado a merenda escolar do município. Tudo estaria indo bem, não fossem as ameaças que parte dessas agricultoras sofrem por parte, entre outros agentes, das grandes fazendas vizinhas de criação de gado.
Dessa forma é possível entender como ferramentas de GIS podem ter papel fundamental no apoio as mulheres amazônicas extrativistas e pequenas agricultoras. Segundos elas, uma ferramenta que junta informações sobre o município e que mostra as dimensões espaciais onde estão localizadas ajuda a entender o contexto onde vivem. Elas acreditam na importância de obter informações em tempo real do que ocorre no território e as ameaças aos recursos naturais e produtivos em suas comunidades, pode contribuir para aprimorar a sua gestão.
Nesse sentindo, para ampliar e fortalecer esse apoio, é ainda mais importante que mulheres também possam ocupar espaços de liderança no desenvolvimento de geotecnologias para o atendimento as mulheres do campo. Aline Fransozi, engenheira florestal e doutora em Conservação de Ecossistemas Florestais, que trabalha como analista de geotecnologias no Imaflora e faz parte da equipe que desenvolve o TerraOnTrack, afirma que “o domínio das tecnologias e uso de informações estratégicas sempre coube ao homem, mas o que vemos na prática, em muitas comunidades, é que quem cuida da terra são as mulheres”. Ela explica que isso se deve ao fato de existir uma barreira no aprendizado de novas tecnologias “porque muitas delas ouviram a vida toda que não são capazes” diz. A engenheira explica que osso pode ser vencido com a participação de mais mulheres no desenvolvimento de novas tecnologias para o campo. “Quando uma mulher está ensinando outra mulher, estamos no mesmo lugar de fala e a primeira percepção é de que é possível sim mulheres saberem usar essas ferramentas. Essa quebra é importante porque coloca a informação nas mãos de quem deveria tomar as decisões sobre a terra e abre caminho para outras capacidades a serem desenvolvidas”, explica Fransozi.
Celma de Oliveira, coordenadora de projetos do Imaflora em São Félix do Xingu, afirma ainda que “a contribuição das mulheres que trabalham com geotecnologias ou na intermediação do uso de tecnologias podem colaborar com as mulheres do campo a partir da própria experiência em desmistificar que o acesso e o emprego das ferramentas tecnológicas não é um privilégio ou um saber do homem”. Ela reafirma que é preciso empoderar as mulheres no uso de informações. “Crescemos em uma sociedade que divide os papéis entre homens e mulheres e a função de domínio de tecnologia cabe ao homem. Quando uma mulher assume o trabalho no campo e usa estas ferramentas, evidencia a capacidade da mulher e a importância da sua atuação no campo e em diferentes instâncias”, completa