O manejo responsável das florestas brasileiras é importante para promover soluções contra a emergência climática, conservando o meio ambiente e movimentando a economia
Por Marina Piatto, Leonardo Sobral e Marco Lentini*
Celebramos em 21 de março o Dia Internacional das Florestas. Esta data chama a atenção da sociedade para a necessidade de olharmos as florestas de um modo inovador, como um recurso que precisa ser conservado, ao mesmo tempo em que é uma oportunidade de produção e geração de renda para condições justas de sobrevivência às futuras gerações. Nada mais oportuno, dada a atual crise climática, que tem se refletido no dia a dia das pessoas através de fenômenos como desastres naturais, recordes de altas temperaturas e quebras de safras agrícolas que provocam aumentos inesperados nos preços dos alimentos.
O conceito de conservação implica que as florestas podem e devem ser usadas. Dizemos devem ser usadas, porque alguns estudos, a exemplo do Living Forest Report, concluíram que as florestas do planeta só existirão em um cenário de franca expansão da demanda por produtos e alimentos até 2050, caso estas áreas sejam usadas racionalmente. Hoje, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), cerca de 250 milhões de pessoas vivem em áreas de floresta e savana, sendo que estas áreas absorvem 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano.
Quando desmatamos ou degradamos as florestas, o carbono que ali estava estocado volta para a atmosfera, agravando a crise climática. No Brasil, a conversão de florestas para outros usos do solo é a principal causa da emissão de gases de efeito estufa. A nível global, o desmatamento é a segunda principal causa da crise climática, responsável por 20% das emissões de gases de efeito estufa do planeta. O Brasil, a Indonésia e a República Democrática do Congo (RDC) concentram cerca de metade das florestas tropicais remanescentes do mundo, ao mesmo tempo em que lideram os índices mundiais de desmatamento. Entre 2002 e 2022, acumularam, somados, 25% do desmatamento tropical do planeta.
Em um estudo recente do Imaflora, identificamos os desafios em comum entre estes três países para a conservação de florestas. Infelizmente, o desmatamento nos três países tem como causas-raiz fatores como a confusão fundiária e os conflitos pelo uso da terra e de seus recursos, a persistência de modelos econômicos voltados à destruição de florestas, assim como a instabilidade institucional dos direitos dos povos indígenas e das comunidades locais.
Isso quer dizer que existem oportunidades para o intercâmbio e a troca de experiências, ao nível internacional, para a busca de soluções de conservação de florestas e seu uso racional para a geração de benefícios econômicos e sociais, a exemplo da Aliança das Florestas, acordo feito entre o Brasil, Indonésia e RDC no encontro do G20, em novembro de 2022.
Para ser capaz de levar suas experiências e modelos de sucesso, entretanto, o Brasil tem alguma lição de casa ainda por fazer. Primeiro, porque embora tenha avançado na agenda de manejo responsável de florestas, ainda não conseguiu efetivamente ganhar escala na implementação destas iniciativas em campo. Estudos publicados pelo Imaflora na plataforma Timberflow têm descrito a evolução do setor madeireiro da Amazônia nas últimas décadas. Embora hoje tenhamos uma área considerável de florestas sob manejo responsável (2,7 milhões de hectares de concessões florestais e de empreendimentos certificados), temos observado a migração gradual da atividade madeireira, localizada historicamente nas áreas periféricas da Amazônia ao longo do chamado ‘arco do fogo e do desmatamento’, para as regiões centrais do bioma.
Esta migração é consequência da falta de adoção de boas práticas de manejo florestal, sendo que, tais áreas, uma vez exauridas pela exploração ilegal e predatória, perdem seu valor de uso, fazendo com que a indústria precise migrar para novas fronteiras. Nosso primeiro desafio, então, é o de ganhar escala no manejo florestal, tanto promovido por empreendimentos privados como pelas comunidades tradicionais que residem na Amazônia.
O segundo desafio é justamente o de usar os nossos recursos florestais para a melhoria da nossa qualidade de vida e para a formação de cidades sustentáveis. Embora pouca gente saiba, o principal consumidor da madeira produzida na Amazônia são as obras de construção civil dos próprios brasileiros. Apenas 1/5 destes produtos se destinam a mercados externos. O problema é que a madeira é usada no país como um material de baixo valor agregado, em construções de baixa renda, ou mesmo para fins descartáveis. Não empregamos a madeira em todo o seu potencial, seja para remodelar e urbanizar nossas cidades, seja para resolver o déficit habitacional brasileiro, estimado em 11 milhões de unidades até 2030.
Usar a madeira na construção civil de forma mais eficiente e em maior escala seria uma das grandes soluções para a crise climática. A madeira é um material que mantém o carbono que foi captado pela floresta durante o seu crescimento, sendo um dos únicos materiais que possibilitam que projetos de construção sejam executados com um balanço de carbono neutro e até mesmo negativo. Também sabemos, por meio de estudos que temos conduzido, que vamos precisar usar – de forma responsável - a madeira advinda de florestas naturais da Amazônia se quisermos levar este plano a cabo, uma vez que o país não dispõe hoje de cultivos florestais em quantidade suficiente para mudar a matriz de insumos da construção civil brasileira da noite para o dia.
As florestas são o nosso maior bem enquanto país. Estas áreas cobrem mais de 60% do nosso território. Como sociedade, já temos o conhecimento e as técnicas adequadas para manejá-las, conservá-las e mesmo restaurá-las. Quanto a este último item, o Brasil se voluntariou a restaurar, ou seja, implementar florestas em áreas que foram desmatadas no passado. Serão ao menos 12 milhões de hectares como nosso compromisso de combate às mudanças climáticas. Enquanto a restauração de florestas é uma ação de imensa importância para a manutenção do nosso patrimônio natural, inovar para sermos bem-sucedidos no ganho de escala das ações de produção florestal sustentável é o exemplo que agora precisamos dar ao planeta.
* Marina Piatto é diretora executiva do Imaflora, Leonardo Sobral é diretor florestal do Imaflora e Marco Lentini é especialista florestal do Imaflora
Publicado por Exame.