O crescimento econômico que não reconhece os limites da base biológica não seria compatível com as leis básicas da natureza, portanto uma nova ordem bioeconômica precisa prosperar. Esse conceito foi elaborado pelo físico Georgescu-Roegen, ainda no começo da década de 70, a partir do termo “bioeconomia”, criado nos anos 60 por cientistas para designar uma ordem econômica que reconhece as bases biológicas de quase todas as atividades econômicas. No momento em que o novo governo federal anuncia a criação da Secretaria Nacional de Bioeconomia, ele corrobora a importância dessa percepção como a via de desenvolvimento possível diante do desafio climático que o mundo todo, Brasil incluído, deve enfrentar. O Imaflora desenvolve suas ações a partir desse conceito em seus diferentes eixos e projetos, e não poderia ser de outra forma em relação à construção de cadeias produtivas da sociobiodiversidade.
Um exemplo de como diferentes atores sociais e empresariais estão agindo pela construção de um modelo de bioeconomia pôde ser visto no Origens Brasil®, durante encontro realizado em setembro, em Alter do Chão, que reuniu mais de 170 pessoas entre integrantes das comunidades tradicionais, indígenas, organizações de apoio e empresários. “Isso mostra a capacidade do Origens Brasil® de mobilizar diferentes atores em prol da economia da floresta em pé”, ressalta Patrícia Cota Gomes, gerente do Origens Brasil®. “Foi um encontro para discutir o futuro da Amazônia e o futuro de como escalar as relações comerciais éticas entre populações tradicionais, povos indígenas e o setor empresarial. A gente pôde perceber que diversas empresas estão, cada dia mais, se comprometendo com a Amazônia e se posicionando publicamente em prol da floresta em pé”, afirma Luiz Brasi, coordenador da rede Origens Brasil®.
O desenvolvimento estruturado da bioeconomia só é possível a partir de trocas e interações entre diferentes atores e elos das cadeias. A estratégia do Origens Brasil® em 2022, por exemplo, foi focar nas conexões entre as empresas e as comunidades. Com campanhas, eventos e a promoção da integração da rede, o Origens Brasil® demonstrou que, apesar de todas as dificuldades, é possível estabelecer um modelo de comércio justo e ético, benéfico para todos os elos da cadeia, que promova a conservação da floresta e, ao mesmo tempo, gere renda para as comunidades e para as próprias empresas.
Atualmente, o Origens Brasil® conta com 71 organizações comunitárias e instituições de apoio técnico local, que atuam em cinco territórios: Rio Negro, Norte do Pará, Solimões, Xingu e Tupi Guaporé, abrangendo 58 milhões de hectares. A rede reúne mais de 2.910 produtores, entre indígenas, quilombolas e extrativistas, e 35 empresas, como Wickbold, Tucum, Mercur, Havaianas e Natura. Em 2022, o Origens Brasil® alcançou R$ 13,2 milhões acumulados em movimentações desde sua criação, em 2016, uma relação comercial ética e transparente entre as empresas e comunidades que lutam por manter a floresta. Toda a gestão da rede só é possível graças à tecnologia utilizada para levantar os dados em campo, que são compartilhados com as instituições de apoio e com a equipe administrativa. Após a estruturação dos dados, eles são disponibilizados no site do Origens Brasil® e podem ser acessados por meio do QR Code impresso em cada embalagem dos produtos que fazem parte da Rede. Assim, por meio da tecnologia, os consumidores podem conhecer toda a história das comunidades e empresas que estão por trás do produto.
“A parceria com o Imaflora tem sido fundamental e não começou agora com a Rede Origens, temos relação desde a época da certificação da castanha da Terra Indígena Baú e sempre tivemos na instituição a relação de apoio e parceria. Com a Rede Origens, a relação de parceria foi fortalecida e ampliada, e hoje temos apoio fundamental para manutenção e crescimento das cadeias dos projetos econômicos como a castanha, o cumaru e o artesanato”, afirma Cleber Araújo, Coordenador de Alternativas Econômicas Sustentáveis do Instituto Kabu.
Outra iniciativa do Imaflora que ajuda a viabilizar modelos de bioeconomia na Amazônia é o projeto Florestas de Valor, presente na região sudeste do estado do Pará, no município de São Félix do Xingu, e na região norte, em Oriximiná e Alenquer, abrangendo cerca de 27 milhões de hectares. Por meio do desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e manejo de produtos florestais não madeireiros, as associações e cooperativas que participam do programa produzem e comercializam produtos como castanha-do-brasil, óleo de copaíba, sementes de Cumaru, pimenta em pó indígena, cacau e polpa de frutas.
Os dados de 2022 de comercialização dos produtos das cooperativas que fazem parte do programa Florestas de Valor demonstram que existe um potencial econômico a ser desenvolvido em outras localidades, apontando um caminho factível para uma economia da floresta justa e sustentável. Somando a produção comercializada em São Félix do Xingu e no norte do Pará, o rendimento alcançou cerca de R$ 1 milhão. Somente a castanha gerou R$ 645 mil para a Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte (Coopaflora), a partir da venda de 98,5 toneladas, um crescimento de 191% em relação à safra anterior. Além da safra e rendimento resultante, a participação também aumentou: se, em 2021, 40 famílias se envolveram na coleta, o número passou para 100 famílias na safra de 2022. A expectativa é que, com o fortalecimento do PNAE em 2023, os ganhos sejam ainda maiores na próxima temporada. Além da comercialização, outro elemento importante para a consolidação destas cadeias é a atração e permanência dos jovens para a bioeconomia.
Um dos desafios para as comunidades extrativistas e de agricultores familiares da Amazônia é fazer com que sua produção tenha acesso a mercados, para que haja previsibilidade e maior possibilidade de geração de renda digna para uma vida plena. Para contribuir com uma maior profissionalização e estruturação das cadeias produtivas da sociobiodiversidade, o Florestas de Valor promoveu em São Félix do Xingu diversos treinamentos sobre gestão, plano de negócios, e produtos derivados, que incentivaram as associadas da Associação de Mulheres Produtoras de Polpa de Frutas (AMPPF) a planejarem a diversificação de produtos, como frutas desidratadas, licores, geleias, compotas, entre outros, favorecendo maior acesso a mercados e geração de renda.
“O ano de 2022 foi de grandes conquistas, e o Imaflora foi um grande aliado na inauguração da nossa agroindústria e na obtenção do selo da Adepará, um sonho para a AMPPF. Além disso, através do Imaflora tivemos várias oficinas de empreendedorismo e gestão. A importância dos SAFs, o manejo e as boas práticas de produção, tudo isso só é possível através do Imaflora e seus parceiros”, afirma Alessandra Rodrigues de Sousa, integrante da Associação das Mulheres Produtoras de Polpa de Fruta (AMPPF) de São Félix do Xingu.
Outro ponto importante para a inserção e comercialização é a construção de reputação e conhecimento sobre a marca e origem dos produtos. Isso ficou claro nos resultados de uma pesquisa de mercado e percepção feita junto a membros da rede Origens Brasil® e consumidores. Quando apresentados a imagens de 20 diferentes selos relacionados à sustentabilidade, a marca do Origens Brasil® foi a terceira mais reconhecida entre os consumidores. “Isso mostra que a nossa marca está bem posicionada, o consumidor entende que é uma marca que tem credibilidade, que tem consistência e que trabalha em prol da conservação da Amazônia”, afirma Patrícia. Para os membros da rede, o Origens Brasil® contribui significativamente para a mudança de percepção deles sobre a sua atuação com sustentabilidade. O principal valor percebido pelas empresas é a geração de negócios éticos e sustentáveis e a transformação da mentalidade das empresas em como pensar a sustentabilidade internamente. Já junto às comunidades o principal valor é a geração de negócios e o amadurecimento ao lidar com grandes empresas.
Todas as atividades de articulações, reuniões, capacitações e eventos ajudam no fortalecimento da construção de cadeias para os produtos da sociobiodiversidade, seja do extrativismo sustentável, como castanhas e açaí, seja a partir de plantios da agricultura familiar, como as polpas de frutas e farinha de mandioca, por exemplo. A comercialização dos produtos, portanto, é um ponto fundamental para que iniciativas de bioeconomia possam gerar renda para as comunidades locais e ofereçam alternativas a atividades predatórias ao meio ambiente e ao clima. Desse modo, os conhecimentos tradicionais podem sobreviver, alcançando as novas gerações e garantindo que elas não sejam cooptadas por atividades predatórias, ou tenham como destino as grandes cidades e capitais onde, muitas vezes, têm o subemprego ou mesmo o desemprego como destino. Daiana Figueiredo, presidente da Coopaflora, ressalta o apoio do Imaflora tanto nos processos administrativos, quanto na comercialização dos produtos, além das capacitações.
Já o momento de superação após os anos mais críticos da pandemia é destacado por Manuel Erbson Vieira dos Santos, coordenador da Coopaflora. “A pandemia atrapalhou um pouco, tivemos que parar com várias atividades, e nesse ano a gente retomou e conseguiu evoluir em muitas coisas. E foi muito importante a parceria com o Imaflora para essa retomada de trabalho”, afirma. Entre os destaques, Manuel aponta a safra recorde de castanha, o apoio na construção de uma agroindústria e dos processos administrativos. “Com a parceria do Imaflora a gente evoluiu muito no mercado, as empresas estão procurando, facilitou muito.”
Com a articulação de organizações do terceiro setor, comunidades e populações locais, empresas e o poder público, como catalisador e fomentador a partir de políticas específicas, a bioeconomia poderá ganhar escala e aumentar seu impacto positivo, contribuindo para que seja mais vantajoso manter a floresta em pé do que desmatada.
* Esse texto faz parte do relatorio anual do Imaflora 2022. Confira o documento na integra aqui.