O governo tem o mérito de anunciar metas para cortar
emissões do aquecimento global. Para cumpri-las, precisará de uma revolução na
pecuária
Marina Piatto
Fazenda de gado na Amazônia (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
Já estão na mesa quase todas as metas de redução de
emissões que os países do mundo inteiro levarão à conferência do clima de
Paris, no fim do mês que vem. O encontro deverá definir o novo acordo climático
global, com contribuições de todos os países do mundo para o esforço de mitigar
a mudança do clima.
Ao anunciar a intenção de reduzir suas emissões de gases
de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, o Brasil chega bem à
conferência de Paris, a COP21. O país tornou-se o primeiro emergente a propor
uma redução absoluta em toda a sua economia como contribuição para o objetivo
global de manter o aquecimento da Terra abaixo do limite de 2oC neste século.
As metas anunciadas pela presidente Dilma Rousseff
englobam os três principais setores emissores: uso da terra, energia e
agropecuária. para os setores de
desmatamento e energia, elas são muito pouco ambiciosas: alcançar 45% de
energias renováveis (mantendo o volume de hidrelétricas atual e incluindo 23%
de renováveis como eólica, solar e biomassa na geração de eletricidade), zerar
o desmatamento ilegal somente em quinze anos e somente na Amazônia e restaurar
12 milhões de hectares de florestas, provavelmente metade deles com eucalipto.
Para o setor agropecuário os objetivos assumidos foram:
recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e implementar 5
milhões de hectares de ILPF (integração lavoura-pecuária- floresta). As
propostas anunciadas são ousadas, mas por um lado, poderiam ter sido mais
abrangentes. Estima-se que a meta anunciada para agropecuária deverá reduzir as
emissões em 28%, até 2030, tendo 2005 como referência. Em junho, o Observatório
do Clima elaborou uma proposta de plano climático para o Brasil, a qual estima
que mais de 40% de redução poderia ser alcançada no setor se as práticas de
baixas emissões de carbono na agropecuária – que já são adotadas hoje – fossem
amplamente implementadas.
Por outro lado, os compromissos assumidos por Dilma estão
na direção certa, por conta do grande
potencial de redução de emissões que essas práticas demostram e pelo fato de a
meta ser adicional aos objetivos que o país já adotou no passado. Ao menos no
papel, portanto, a agropecuária está na vanguarda da redução de emissões do
Brasil.
Assumir o compromisso, porém, é só metade do caminho.
Para que ele prospere e não se torne vago, deve-se delinear uma estratégia
clara para que essas ações cheguem ao campo. Assim, há necessidade de anunciar
também de que maneira as metas para a agropecuária serão executadas e o qual
será volume de recursos necessário para colocá-las em prática.
Caso contrário, o risco de chegarmos a 2030 sem
alcançarmos a redução proposta para o setor pode ser grande. É desafiador
recuperar 15 milhões de pastagens degradadas e introduzir 5 milhões de hectares
de ILPF se o setor não tiver uma estrutura e um foco para a escala do impacto
desejada.A avaliação do cenário atual é importante como lição para
evitar erros que comprometam o alcance das metas futuras. O Plano ABC
(Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), por exemplo, propôs em 2010
recuperar a mesma área de pastagens degradadas e implementar 4 milhões de
hectares de ILPF, além de outras
práticas de baixa emissão até 2020. Porém, a velocidade das ações até o momento
sinaliza que essas metas não serão alcançadas dentro do prazo.
Os mecanismos financeiros e de extensão rural também são
tímidos. Em 2015, o Plano Safra diminuiu o volume de crédito destinado ao
Programa ABC, que implementa as ações do Plano ABC; as taxas de juros também
subiram, e os compromissos de fortalecer a extensão rural no Brasil não foram
cumpridos. Não há nada que indique que a meta do atual Plano ABC será cumprida
até 2020. O crédito agrícola voltado à agricultura familiar (Pronaf)
também não considera requisitos de baixas emissões em suas linhas de crédito
deixando mais uma lacuna no desenvolvimento de baixo carbono proposto. Em
resumo, o cenário atual não parece projetar um futuro muito auspicioso para as
metas de 2030.
As tecnologias que permitem produzir com baixa emissão de
carbono já existem, mas elas precisam chegar a todo o Brasil: a intensificação,
o plantio direto, o manejo dos resíduos animais, a eficiência na adubação, a
fixação biológica de nitrogênio precisam ganhar escala. Para isso, políticas
agrícolas como o Plano Safra e o Pronaf devem adotar critérios de baixo carbono
em suas linhas de crédito e seu desembolso deve ser desburocratizado.
A extensão rural precisa ser ampliada para que os
produtores melhorem a gestão de suas propriedades e alcancem mais eficiência
com menos emissões. Parcerias público-privadas também podem acelerar o processo
de adoção dessas tecnologias.
Outro aspecto importante é a colaboração de outros
setores ligados à agropecuária para que a meta de redução seja alcançada. O
planejamento integrado entre meio ambiente, infraestrutura e educação é
fundamental para viabilizar a adequação ao Código Florestal, o escoamento e
armazenagem da produção e a pesquisa e transferência de tecnologia relacionada
ao setor rural.
Atingir a meta proposta exigirá uma verdadeira
força-tarefa, na qual a sociedade civil, o governo e as empresas privadas
deverão trabalhar de forma conjunta para que a produção, a conservação e a
redução das emissões possam colaborar, num curto espaço de tempo, com a
manutenção do clima global dentro de limites suportáveis.
*Marina Piatto é engenheira agrônoma, Coordenadora da
Iniciativa de Clima e Agricultura do Imaflora e integrante do Observatório do
Clima, uma coalizão de 38 organizações da sociedade civil.
Fonte: Época