Carlos Eduardo Marinelli, Heidi Buzato, Helga Yamaki, Mariana Finotti.
Atualmente, a relevância e singularidade dos diversos papéis das mulheres na sociedade exerce um protagonismo diferenciado nas cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Ao mesmo tempo, mesmo internacionalmente, a avaliação dos impactos deste processo sob abordagem socialmente inclusiva, geograficamente ampla e metodologicamente sistemática ainda é rara. Nesta nota técnica, com base em entrevistas de mulheres e homens, adultos e jovens residentes em Áreas Protegidas e Unidades de Conservação da Amazônia brasileira, apresentamos uma breve síntese sobre a percepção e o papel da mulher nos impactos do Origens Brasil®.
Criado em 2016, o Origens Brasil® tem por objetivo valorizar as cadeias da sociobiodiversidade em Unidades de Conservação por meio de uma rede colaborativa que promove relações comerciais éticas, transparentes e equilibradas. Desde 2017, os impactos do Origens Brasil® são monitorados e avaliados: internamente, com vistas à subsidiar a accountability, auxiliando na tomada de decisões, nos aprimoramentos e fomentando a aprendizagem de sua rede de parceiros; externamente, com vistas à prover resultados e subsidiar a apropriação de conhecimentos, agregando valor ao atender interesses de diferentes segmentos da sociedade. Abaixo, apresentamos resultados até 2020, de entrevistas sobre 3 dos 21 indicadores de impactos do Origens Brasil® monitorados num total de 61 comunidades de 16 Áreas Protegidas (Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas) nos territórios do Xingu e Calha Norte.
De acordo com as entrevistas, ao longo desses 4 anos de monitoramento, a participação das mulheres nas decisões de comercialização sobre produtos da sociobiodiversidade saltou de 62% para 77%, sejam elas mulheres dedicadas à produção ou envolvidas em decisões familiares sobre a comercialização dos produtos. Conforme o gráfico ao lado, outros 6,5% das mulheres não participam, mas gostariam de participar dessas decisões; e 16,5% não tem interesse em participar. Entre os 248 entrevistados, não houve variação significativa entre opiniões de mulheres e homens.
Em média, para 34% dos 243 entrevistados, as práticas tradicionais de produção dos principais produtos e ingredientes da sociobiodiversidade comercializados vêm sendo mantidas. Um total de 142 pessoas entrevistadas (58%) afirmam que ocorreram mudanças nessas práticas associadas à venda dos produtos e 9% que afirmam que essas mudanças estiveram associadas tanto à venda como ao consumo. De todo modo, a maioria das pessoas (73% das mulheres e 62% dos homens) tem a percepção de que as mudanças nas práticas tradicionais de produção não estão trazendo prejuízos ao meio ambiente, conforme ilustra o gráfico a seguir. Percepção esta ainda mais comum entre os jovens: 83% das mulheres e 84% dos homens.
Um terceiro indicador associado à sociobiodiversidade ilustra que, em média, 76% dos 504 entrevistados, acreditam que os jovens estão envolvidos em atividades produtivas tradicionais. Reforçando o padrão dos dois indicadores acima, mulheres (com 81%) e homens (com 76%) concordam sobre essa condição (média de 78%), assim como os jovens (84%), porém com percepção ligeiramente mais otimista que os adultos.
De maneira geral, os resultados indicam que a expansão do Origens Brasil® pelas Unidades de Conservação e Áreas Protegidas dos territórios monitorados, encontra-se associada ao maior envolvimento, interesse e otimismo das mulheres (adultas e jovens) nas cadeias de valor da sociobiodiversidade, e às práticas de produção não prejudiciais ao meio ambiente. Além desses indicadores do protagonismo e buscas das mulheres, a ausência de variação significativa entre respostas conforme o gênero, ilustra que a “questão de gênero” não tem efeito sobre a percepção de impactos socioambientais de iniciativas relacionadas a cadeias produtivas.
Nossas constatações apontam três coisas: 1. a importância da valorização e envolvimento, ativo e diferenciado, das mulheres nos diferentes espaços de tomada de decisão, não só de cadeias produtivas como de iniciativas de desenvolvimento local em geral; 2. que a hipótese de que, a “mulher estar mais em casa, cuidando dos filhos e da família” limita sua percepção sobre aspectos da sociobiodiversidade em relação aos homens, é coisa do passado; e 3. que análises com enfoque de gênero sobre os demais indicadores de impactos do Origens Brasil® sejam realizadas e divulgadas para sociedade.