Por Helene Menu, Daiana Silva e Léo Ferreira
Na era da informação, a tomada de decisão baseada em dados tornou-se não apenas uma vantagem competitiva, mas uma necessidade. A inteligência de mercado é o farol que ilumina as águas turbulentas e muitas vezes obscuras do mundo dos negócios, oferecendo direção e clareza para navegar com confiança. No entanto, no contexto da sociobiodiversidade e da economia da floresta em pé, a inteligência de mercado assume uma nuance adicional e vital: a sustentabilidade.
Ao abrir um negócio relacionado à floresta, além das questões comerciais padrões, como a análise da concorrência ou a demanda do produto, há fatores ecológicos, sociais e culturais a serem considerados. A floresta não é apenas um recurso; é um ecossistema vivo, um patrimônio cultural e um barômetro da saúde planetária.
As florestas, antigas e sábias, testemunham uma nova era de sustentabilidade, onde a inteligência de mercado e o empreendedorismo consciente não apenas convivem, mas prosperam em simbiose.
A Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte (Coopaflora), com sua visão de manter a floresta em pé através da cooperação de povos tradicionais, destaca-se como um farol de sucesso. A Coopaflora não é apenas um caso inspirador; é um protótipo para o futuro. Com apoio do programa Florestas de Valor, iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a organização tem atuado com a estratégia da inteligência de mercado na perspectiva de valorização dos produtos da sociobiodiversidade, provando que é possível aliar lucro e conservação. O Florestas de Valor, que é patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e Governo Federal, completa 10 anos de atuação em Alenquer e Oriximiná, na região norte do Pará.
Contudo, como qualquer pioneiro, a Coopaflora e iniciativas similares enfrentam desafios. A volatilidade dos preços da Castanha-do-Brasil e do cumaru é um lembrete de que a previsibilidade ainda é um luxo raro nessas cadeias produtivas. A gestão dessas cadeias requer a navegação cuidadosa através das águas turbulentas de mercados que incluem falta de informações comerciais públicas ou de fácil acesso sobre estes produtos da sociobiodiversidade, como por exemplo, preços praticados, estoques disponíveis, mercados efetivamente interessados pelo produto, envolvimento de comunidades tradicionais especialistas em gestão de florestas e dos recursos naturais e pouco conhecimento sobre o funcionamento dos mercados, as complexidades e custos logísticos destes produtos que por definição se encontram longe dos centros consumidores.
O fornecimento regular em volumes e qualidade, além de atender a requisitos de sustentabilidade, são exigências do mercado. As estratégias não podem ser reativas, mas sim proativas. Contratos de longo prazo emergem como soluções que beneficiam a todos – as comunidades locais recebem a segurança de um rendimento estável e os parceiros comerciais garantem um suprimento confiável. Este é um jogo de soma positiva onde a valorização da conservação ambiental e biodiversidade não são apenas ideais éticos, mas também imperativos econômicos.
Olhando para o futuro, vemos que as tendências globais em sustentabilidade e a valorização de práticas ecológicas oferecem um terreno fértil para essas cadeias produtivas. A demanda por produtos sustentáveis está em alta, e com as ferramentas certas, como a inteligência de mercado para identificar oportunidades concretas, podemos cultivar uma realidade onde a Amazônia continuará a florescer, cumprindo seu papel ambiental, social e econômico.
A tecnologia é uma aliada nessa jornada. Inovações na coleta, no beneficiamento e na comercialização dos produtos da floresta abrem novas portas e oferecem caminhos inexplorados para o crescimento e a sustentabilidade. No entanto, isso também requer políticas públicas e privadas que não apenas apoiem, mas promovam tais iniciativas.
Diversas fontes de dados nutrem a inteligência de mercado neste setor
Dados internos podem ser número de vendas, quantidade de recursos florestais utilizados e produtividade. No contexto da floresta em pé, a produtividade não se refere apenas à produção comercial, mas também à alimentação da população local, conservação da floresta e à manutenção da biodiversidade.
Concorrentes: No mundo da economia florestal, os concorrentes podem vir de lugares inesperados. Por exemplo, em barras de cereais a Castanha-do-Brasil pode ser substituída por qualquer outra castanha ou até mesmo por amendoim, alimentos que tenham um valor mais atrativo. Em outros casos, substitui-se um produto natural por um sintético. Nesta situação a inteligência de mercado pode ajudar a acessar os preços aplicados no mercado permitindo que o produtor possa adequar sua margem de lucro ou até mesmo decidir não viabilizar 1 cadeia produtiva caso o mercado não esteja favorável.
Clientes: A demanda por produtos sustentáveis está crescendo. No entanto, o perfil do cliente é diverso. Encontramos consumidores que buscam autenticidade e conexão com a origem do produto, preocupados com o impacto das cadeias produtivas sobre o meio ambiente sobre as pessoas envolvidas nestas cadeias até aquele consumidor somente motivado pelo preço.
Mercado em Geral: Fatores macroeconômicos e condições globais, como crises econômicas ou booms, influenciam a demanda por produtos florestais. Além disso, as condições climáticas promovem uma valorização e uma demanda por estes produtos que permitem manter a floresta em pé e mitigar os impactos de mudanças climáticas.
Em suma, a inteligência de mercado na economia da floresta em pé não é uma mera ferramenta de negócios, mas um imperativo ético e ecológico. A interseção de negócios, ecologia e cultura na floresta em pé é complexa, mas com a inteligência de mercado adequada, é possível não apenas navegar, mas também prosperar e conservar.
No vasto universo do empreendedorismo relacionado à floresta, a inteligência de mercado emerge como a bússola que guia as decisões. No entanto, para produtos específicos como o cumaru e a castanha, a complexidade da navegação se intensifica, exigindo uma compreensão profunda e holística.
Conhecendo o consumidor e o mercado
A Coopaflora, como exemplo de empreendimento comunitário, utiliza a inteligência de mercado para entender melhor seus compradores atuais e potenciais, antecipar safras, formar preços e até conceber novas estratégias de venda. O desafio é identificar os potenciais compradores, que variam de atravessadores a empresas locais e internacionais, empresas de capital fechado outras de capital aberto e entender suas necessidades específicas em termos de volume, qualidade, frequência e condições de pagamento. Nessa jornada, a organização tem o apoio do Programa Florestas de Valor, iniciativa do Imaflora que conta com o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e Governo Federal. O programa completa 10 anos de atuação em 2023 e celebra conquistas.
Entre as soluções apresentadas pela inteligência de mercado está o monitoramento prévio às safras. Expedições são realizadas para avaliar o potencial de produção das castanheiras e cumaruzais, por exemplo. Esse tipo de inteligência não apenas fornece insights sobre a produção, mas também sobre o estoque das usinas e os preços internacionais, como os da castanha de países como Bolívia que influenciam diretamente o mercado brasileiro.
Desafios e soluções para o fornecimento
Um dos principais desafios identificados é a garantia de entrega. Para enfrentar esses desafios, algumas soluções emergem:
Contratos de Longo Prazo: Estes podem estabilizar a expectativa de entrega e oferecer melhores condições de preço, ao mesmo tempo que otimizam a logística
Rede de Cooperativas: A formação de uma rede interconectada de cooperativas pode garantir o volume necessário para atender à demanda das grandes empresas e ao mesmo tempo facilitar a entrega para as menores.
Produtos da sociobiodiversidade
A produção da castanha é caracterizada por sua oscilação. Anos de abundância alternam-se com anos de escassez. Essas variações, combinadas com as flutuações no comércio internacional, afetam diretamente os preços de cada safra. Conhecemos as variações que impactam o valor da castanha, no entanto não existem mecanismos que disponibilizem estas informações fazendo com que frequentemente o preço da castanha baixe no meio da safra sem que as cooperativas e extrativistas consigam se proteger destas oscilações e muitas vezes fiquem com prejuízo no final da safra.
O cumaru, como a castanha e outros produtos da sociobiodiversidade, possui um mercado complexo, moldado por variáveis econômicas, ecológicas e sociais. Não há uma inteligência de mercado já estruturada que permita que as comunidades extrativistas não apenas obtenham um preço justo, mas também sustentem e promovam a conservação florestal. É sim muito mais fácil ter informações estratégicas sobre o suco de laranja, a soja o milho e até mesmo cacau, commodities que circulam o mundo inteiro. do que dados sobre Castanha da Amazônia, cumaru ou copaíba, o que aumenta as chances das comunidades envolvidas nestas cadeias não consigam oportunidades comerciais tão favoráveis para elas.
Uma estratégia inovadora é a incorporação do pagamento por serviços ambientais aos produtos, utilizando recursos institucionais das empresas para investimentos em questões ambientais. Isso beneficia os extrativistas, reconhecendo seu papel na conservação da floresta, e oferece às empresas uma oportunidade de destacar seu compromisso ambiental, melhorando sua imagem no mercado.
Em conclusão, a inteligência de mercado, quando aplicada à economia da floresta em pé e, especificamente, aos mercados do cumaru e da castanha, seria uma ferramenta poderosa. Ela não apenas ilumina o caminho a ser seguido, mas também ajudaria a antecipar desafios, identificar oportunidades e garantir a sustentabilidade e prosperidade dos negócios florestais.
Em última análise, o sucesso dessas cadeias produtivas sustentáveis depende de uma colaboração abrangente que inclua todos os atores envolvidas na cadeia, desde o extrativista até o consumidor final. O valor desses produtos transcende o seu preço de mercado; eles carregam a responsabilidade de manter a floresta em pé e precisam ser mais conhecidos pelo mundo que está aprendendo a valorizar o que tem de mais precioso: a natureza.
A Amazônia está em um ponto de inflexão. Nós, como sociedade global, temos a responsabilidade de redefinir nossa relação com o meio ambiente. O relatório da Imaflora não é apenas um reflexo do presente; é um mapa para um futuro em que a Amazônia não é apenas sobrevivente, mas uma prosperidade sustentável para todos.
Em um mundo que clama por soluções verdes, a inteligência de mercado é mais do que uma ferramenta; é uma ponte para esse futuro verde. E enquanto caminhamos por ela, o legado da Amazônia permanecerá - não como um sussurro das folhas, mas como um testemunho retumbante de nossa capacidade de crescer junto com a floresta, e não às suas custas.
Helene Menu – Gerente do Programa Florestas de Valor do Imaflora
Daiana Silva – presidente da Coopaflora
Léo Ferreira – Coordenador de Projetos na WWF-Brasil