Marco Lentini e Tayane Carvalho*
O manejo florestal promovido por comunidades tradicionais é uma ferramenta eficaz para manter o bioma amazônico vivo, ao utilizar de modo racional os seus produtos e serviços e, ao mesmo tempo, gerar renda e empregos para as populações. As experiências brasileiras com o manejo florestal comunitário e familiar se iniciaram na década de 1990 em reservas extrativistas da Amazônia, inspiradas por casos de sucesso em outros países da América Latina. Entretanto, apesar dos inúmeros programas voltados ao seu fortalecimento, em função de diferentes percalços de ordem financeira e estrutural, o manejo comunitário no Brasil ainda busca se consolidar como uma alternativa econômica.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA) tem tomado ações para reforçar o comprometimento histórico do governo brasileiro com a agenda ambiental. Conta positivamente o fato de que o relançamento do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAM), em sua quinta fase de implementação, traz o entendimento de que a promoção de ações estruturantes com a manutenção da floresta em pé é fundamental no esforço de desacelerar a destruição da floresta amazônica.
Há um movimento crescente de valorização dos povos e das comunidades tradicionais da Amazônia por meio da convergência de organizações indígenas, lideranças comunitárias, entidades extrativistas, representantes de instituições de pesquisa e organismos não governamentais voltadas a dar voz às principais demandas e desafios que as organizações comunitárias enfrentam. Como resultado, em novembro de 2023, um amplo coletivo de entidades formulou uma carta requisitando medidas urgentes para a implementação de políticas públicas de fomento ao manejo florestal comunitário e familiar. Entre estas prioridades, se encontram elencadas as alternativas de crédito a partir de fundos não reembolsáveis, o estabelecimento de critérios para definir áreas prioritárias para o fomento do manejo comunitário na Amazônia e a elaboração de propostas para alavancar a assistência técnica e extensão focadas na formação de técnicos e jovens comunitários.
Ganhando escala no manejo florestal comunitário
A atmosfera para o ganho de escala no manejo comunitário é otimista e recheada de boas intenções. De fato, poucas agendas na área socioambiental nos dias atuais merecem maior atenção, até mesmo considerando as carências históricas em seu apoio. Entretanto, também é necessário reconhecer que os recursos técnicos, estruturais e financeiros voltados ao ganho de escala do manejo comunitário são escassos em comparação ao tamanho da ambição dos programas existentes. Tais recursos são também modestos quando em comparação à persistência e aos incentivos perversos colocados aos vetores de destruição da floresta amazônica, dos quais dois são de especial importância para o tema de manejo comunitário: as altas taxas de desmatamento, ilegal ou mesmo permitido com os devidos incentivos históricos à conversão das florestas na Amazônia, e a extensa área de florestas públicas não destinadas existentes na região.
As florestas públicas não destinadas, em suma, são áreas pertencentes ao governo, em suas diferentes instâncias federativas, que foram identificadas e inventariadas, mas ainda não tiveram sua destinação formalmente definida. Hoje, estas florestas cobrem mais de 60 milhões de hectares do território amazônico, uma área equivalente a 400 vezes a cidade de São Paulo. Justamente devido ao fato de não possuírem destinação (um parque, um assentamento, etc.), estas florestas são locais severamente afetados pela grilagem de terras, sendo que, uma vez ilicitamente apropriadas, são frequentemente alvos da exploração ilegal de madeira ou do desmatamento para a implantação de agropecuária de baixa produtividade.
Entretanto, muitas destas florestas são ancestralmente habitadas por populações que tem seus direitos usurpados. Tais ocorrências de invasões, grilagem e implantação de atividades ilegais têm se propagado de maneira generalizada na Amazônia, em terras destinadas ou não, incluindo em áreas formalmente protegidas criadas para a manutenção dos meios de vida destas populações.
A priorização do manejo comunitário na agenda de bioeconomia da Amazônia é meritória, necessária e tardia. Também a geração de ferramentas – fomento, apoio, assistência técnica e financeira, educação e saúde – customizadas às necessidades destas populações, ou seja, formalizadas em políticas que reconheçam as particularidades e especificidades de tais pessoas.
A efetiva participação e inclusão destes grupos no desenho e avaliação destas políticas é um requisito para que este plano dê certo e, sendo assim, as articulações entre as diferentes organizações públicas e privadas, assim como os movimentos sociais e organizações independentes, precisa ser estimulado e catalisado. Finalmente, a agenda de investimentos privados em projetos de bioeconomia da Amazônia deve evoluir para considerar as populações tradicionais não simplesmente como meros interessados ou beneficiados, mas como protagonistas em sua implementação.
Marco Lentini é especialista florestal e Tayane Carvalho é analista florestal do Imaflora.