Isabel Garcia-Drigo*
O aguardado Plano Safra 2024/2025 para a agricultura comercial, somado ao montante destinado ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), promete alocar quase 500 bilhões de reais nas atividades agropecuárias e florestais. O anúncio, feito pelo governo federal, reacendeu as expectativas de que grande parte desse montante comece a financiar a transição da agropecuária nacional para a sustentabilidade na escala e na extensão territorial em que ela é necessária.
É bom relembrar que ambos os Planos não se limitam a alocar, a cada ano, novos bilhões de reais para empréstimos ao setor rural. Ele também tem o poder de direcionar o sentido em que a atividade vai se desenvolver à medida que estabelece incentivos e regras diferenciados para os empréstimos que são incorporados ao Manual de Crédito Rural. O Plano Safra 2023/2024, que se encerra, inovou ao aprovar regras para desestimular a ilegalidade e incentivar a adoção de práticas e modelos produtivos sustentáveis.
Por isso, a questão que se coloca daqui por diante é menos quantos bilhões estarão disponíveis, e, sim, como o crédito rural vai promover, de fato, a transição das atividades agropecuárias menos sustentáveis para aquelas mais sustentáveis, portanto com baixas emissões de gases do efeito estufa. Essa mudança passa pelas instituições financeiras se tornarem capazes de distinguir as atividades que os tomadores de crédito aplicam para produzir e colher a produção animal e vegetal. Se elas são sustentáveis, ou não. Ou ainda, se as atividades, mesmo não sendo ainda totalmente sustentáveis, levam à sustentabilidade da produção. A resposta promete vir de um outro plano em desenvolvimento, dessa vez sob a batuta do Ministério da Fazenda. Trata-se do Plano de Ação da Taxonomia Sustentável do Brasil.
Uma taxonomia financeira, consiste em um sistema de classificação que define, de maneira clara, objetiva e com base científica, as atividades que contribuem para objetivos climáticos, ambientais e sociais. O sistema define critérios e indicadores específicos que permitem avaliar se uma atividade contribui para a sustentabilidade ou a coloca em um caminho de transição para maior sustentabilidade. Por exemplo, a taxonomia define qual é o conjunto de práticas que caracteriza uma produção de bovinos de corte ou de leite que seja de baixas emissões de gases do efeito estufa, seja ela comercial ou familiar. Da mesma forma descreve o que uma plantação de milho ou soja tem de apresentar para ser sustentável.
A taxonomia do setor agropecuário é a mais desafiadora pela variedade de cultivos e modelos de produção. Contudo ela não é impossível, sendo a Embrapa detentora de vasto conhecimento para estabelecer os critérios e indicadores. Dois Grupos de Trabalho também estão debruçados no desenho desse novo sistema – um, no âmbito da Câmara Agrocarbono do Ministério da Agricultura e Pecuária, tem coordenação do Imaflora e da FGV Agro, contando com parceiros como a Agroicone; e outro, no Ministério da Fazenda, conta com representantes de diferentes setores, academia e sociedade civil.
O estabelecimento de uma taxonomia rural para produção primária, por mais desafiadora que seja, é a maneira de consolidar as conquistas previstas nas novas regras do crédito rural, legados do Plano Safra 2023/2024. Por exemplo, os incentivos positivos, como o desconto de 0,5 ponto percentual nos juros para quem adota as práticas agrícolas sustentáveis. A perenidade dessas conquistas parece garantida, uma vez que elas já foram incorporadas ao Manual do Crédito Rural. O próximo passo é assegurar que os recursos cheguem aos beneficiados certos, sem desvios.
Qualquer que seja o sistema de classificação do que é sustentável que resulte desse esforço, acoplado a ele deverá vir um sistema de monitoramento, verificação e relatoria (MRV) do crédito concedido, visando a evitar qualquer prática de greenwashing e conferindo transparência pública para o crédito rural. Olhando para as próximas edições do Plano Safra e do Pronaf, os tão comemorados bilhões e bilhões de reais somente provarão que geram valor socioambiental quando promoverem a grande transição para sustentabilidade, assim como a manutenção e expansão do que já é sustentável.
*Isabel Garcia-Drigo, doutora em Ciência Ambiental e diretora do programa de Clima, Uso da Terra e Políticas Públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)