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Não basta ser legal para ser sustentável

12/05/2014



Luís Fernando Guedes Pinto e Maurício Voivodic*



A gigante agropecuária brasileira – 275 milhões de hectares, 190 milhões de toneladas de grãos e âncora do PIB e da balança comercial brasileira – passa por um período de intensa efervescência. Enquanto um grupo conservador e poderoso (representado pela bancada ruralista) orquestra retrocessos no marco regulatório ambiental, fundiário e trabalhista; produtores com visão de futuro arregaçam as mangas na fronteira da inovação e da sustentabilidade, conquistando novos mercados e atendendo às certificações mais exigentes do mundo.
Como é característico em períodos de transição, no campo se vê uma diversidade de situações. Coexistem no setor produtores que ainda operam de forma arcaica e predatória com outros que buscam na pesquisa e inovação as condições necessárias para uma produção voltada para o futuro.
Fora das fazendas a agitação também é grande. Grandes empresas compradoras de commodities agrícolas, bancos, supermercados e as principais marcas internacionais que operam no setor do agronegócio buscam formas para que as práticas danosas à sociedade não deixem marcas ao longo de suas cadeias produtivas, que possam resultar em riscos à sua imagem e reputação. O desafio aumenta com a dificuldade em se adotar mecanismos eficazes de rastreabilidade em um universo de milhares de fornecedores.
Como produto deste processo, emergem novos arranjos entre produtores, empresas e sociedade civil e políticas públicas inovadoras, como o Programa ABC, que incentiva a agricultura de baixo carbono. Em forte disputa, uma nova governança se constrói aos poucos para o setor, na busca por conciliar o interesse público com os do setor produtivo.
Estas novas alianças direcionam seus esforços para eliminar práticas predatórias e degradantes e conduzem a produção agropecuária para uma situação de atendimento à legislação ambiental e trabalhista. Um enorme esforço tem sido feito para promover a adequação ao Código Florestal, com as baterias voltadas para o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é apenas o primeiro passo para o cumprimento da nova lei, publicada em 2012.
Faz bastante sentido considerar o cumprimento legal e a eliminação de práticas predatórias como os primeiros passos rumo à sustentabilidade. No Brasil, o cumprimento das legislações ambientais e trabalhistas no campo e ao longo da cadeia produtiva é um largo passo e representa um grande avanço para o setor. Principalmente considerando que o Brasil tem um marco legal ambiental e trabalhista avançado em relação a alguns dos países com o qual a nossa agropecuária compete. Ainda assim, é um grande equivoco achar que o cumprimento legal é sinônimo de agricultura responsável ou sustentável, conforme algumas iniciativas vêm sendo promovidas. Esta confusão de termos é comum e a tendência de se supervalorizar um bom projeto pode se tornar um tiro no pé.
Assim, cumprir com o CAR apenas inicia a escalada da pecuária sustentável, que deve ser seguida de planos de restauração de matas em beiras de rios e nascentes, recuperação de pastagens, ciclos mais curtos de produção de carne e práticas de bem estar animal. Além de contribuir para diminuir o desmatamento, a produção de soja deve evitar a erosão, diminuir o uso de agrotóxicos, oferecer empregos seguros e dignos e promover desenvolvimento no seu entorno.
Também temos que ir além da legalidade, pois este largo passo não será suficiente para o Brasil cumprir com os seus compromissos internacionais ou caminhar concretamente para a sustentabilidade do setor. O cumprimento legal será insuficiente para zerar o desmatamento, para reduzirmos abruptamente o uso de quase um milhão de toneladas de agrotóxicos e para garantirmos a disponibilidade de água para a própria produção no campo, para as cidades e para a produção de energia. Também não garantirá a redução das emissões de gases de efeito estufa das 1,4 Gtons de 2013 para 0,3 Gtons em 2050, o que corresponde à fatia da redução da agropecuária brasileira e é proporcional ao esforço global necessário para não aumentarmos a temperatura do planeta acima dos 2 °C.
Somente a lei será pouco para proporcionar um salto de qualidade de vida e bem estar para os 15 milhões de trabalhadores familiares e assalariados rurais. E precisamos de mais do que a lei, ainda, para uma mudança na gestão da produção agropecuária, que integre as operações produtivas com as dimensões econômica, ambiental e social, uma enorme lacuna no campo.
Estas metas somente serão conquistadas se avançarmos em uma progressão contínua rumo à sustentabilidade, que começa, mas não para na legalidade. E para isto, também já temos as referências, pois os casos da melhor e mais responsável produção já estão em operação no campo. Para ampliar significativamente a sua escala falta um conjunto inteligente e integrado de políticas públicas e privadas capaz de propiciar um ambiente favorável à inovação e à transição rumo à sustentabilidade que o setor, o país e o planeta precisam.
*Luís Fernando Guedes Pinto é engenheiro agrônomo, doutor em Agronomia e gerente de certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora
Maurício Voivodic é engenheiro florestal, mestre em Ciência Ambiental, e secretário executivo do Imaflora
Foto: Liana John (integração lavoura-pecuária-floresta, fazenda Santa Brígida, Ipameri, GO)
Fonte: AgriSustenta

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