Por Heidi
Buzato e Ana Cristina Nobre da Silva
Assistimos com perplexidade e preocupação o momento que estamos
atravessando no Brasil, especialmente com as propostas de mudanças na agenda
ambiental, social e trabalhista. Os itens de alteração na CLT são extensos e devem
alterar significativamente as relações de trabalho. Além das alterações para os
trabalhadores urbanos, decorrentes da reforma trabalhista sancionada pelo
presidente da República, preocupa ainda mais a criação de legislação específica
para alterar os direitos dos trabalhadores rurais, caso outro projeto de lei
venha a ser aprovado (PL 6.442/2016), projeto que suspende a aplicação da CLT
aos trabalhadores rurais e pretende limitar a atuação da Justiça do Trabalho e
do Ministério Público do Trabalho.
No texto aprovado da reforma trabalhista existem alterações
relacionadas aos modelos de contratação e remuneração. Estão previstas também
alterações nas regras para rescisão de contrato de trabalho, que não mais
exigirá, entre outras coisas, a obrigatoriedade de que rescisões de contratos
de mais de um ano sejam realizadas no respectivo sindicato dos trabalhadores ou
perante autoridade do Ministério do Trabalho ou em qualquer outro órgão
público, na falta desses. Em relação à jornada de trabalho está previsto, por
exemplo, o fim das horas in etinere (que permite contabilizar as horas de
transporte na jornada de trabalho). O texto da reforma prevê ainda, para uma
série de temas, a prevalência do negociado sobre o legislado, o que significa
que serão válidos e legalmente aceitos os acordos estabelecidos entre
empregadores e empregados, mesmo que abaixo do que prevê a legislação. Temas
como jornada de trabalho, intervalos de almoço, organização no local de
trabalho, enquadramento de insalubridade, poderão ser livremente negociados
entre patrões e empregados.
Considerando a realidade dos trabalhadores rurais, universo em que
o Imaflora atua, mesmo com um conjunto de dispositivos legais assegurando
direitos aos trabalhadores e trabalhadoras rurais e mesmo havendo empregadores
que prezam pelo atendimento à legislação, ainda persiste uma forte cultura no
meio rural brasileiro de não atendimento à legislação trabalhista, sob
argumentos e práticas diversas. Em um cenário em que muitas vezes o trabalho
rural é realizado em locais ermos e distantes dos grandes centros, em locais
onde nem sempre existe infraestrutura pública (como hospitais, escolas, postos
do INSS), tampouco a presença de sindicatos de trabalhadores ou órgãos de
fiscalização do governo, trabalhadores e trabalhadoras rurais estão sujeitos a
serem submetidos a condições de trabalho precárias e degradantes. Infelizmente
no Brasil atual não são raras situações onde são encontrados trabalhadores em
condições análogas a trabalho escravo. De acordo com dados do Ministério do
Trabalho, em 2016, 885 trabalhadores foram resgatados de condições de trabalho
análogas ao trabalho escravo através de ações de fiscalização e de combate ao
trabalho escravo. Este número é 34% menor do que o número de resgates
realizados no ano de 2015, porém reflete também uma redução significativa no
número de fiscalizações realizadas no ano de 2016.
Sistemas de certificação socioambiental, como os que são
conduzidos pelo Imaflora, surgiram visando oferecer garantias a consumidores de
que produtos de origem florestal e agrícola não sejam produzidos a partir de
condições de trabalho degradantes ou análogos a trabalho escravo. Porém, existem
muitos desafios para se melhorar as práticas trabalhistas no meio rural, em
especial nas atividades terceirizadas, porque a terceirização, em geral, é uma
prática que muitas vezes implica em condições precárias de trabalho; e nas contratações
de mão de obra para períodos da safra ou para atividades pontuais, porque a
agricultura convencional ainda mantém práticas de contratação de trabalhadores
migrantes, temporários ou sazonais, utilizando estratégias que, muitas vezes,
burlam a atual legislação trabalhista.
A aprovação da reforma trabalhista, coloca em risco conquistas
importantes e ainda inacabadas no meio rural. Corremos o risco de retroceder
anos de esforços empreendidos até aqui para melhorar a situação dos
trabalhadores e trabalhadoras no meio rural brasileiro. É necessário que organizações
efetivamente preocupadas com a sustentabilidade social nas cadeias produtivas
no Brasil coloquem em suas pautas de atuação como se posicionarão frente às
propostas de reforma trabalhista, uma vez as bases sob as quais sempre
trabalhamos ameaçam ruir, exigindo novas estratégias de atuação.
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Heidi
Buzato é socióloga, formada pela Unicamp, com mestrado na área de recursos
florestais pela ESALQ/USP. Está cursando doutorado em Gestão e
Planejamento Territorial na Universidade Federal do ABC. No Imaflora é a
responsável técnica pela área social.
Ana Cristina
Nobre da Silva é socióloga, mestre em Sociologia pela UFRJ, sócia da Ambiente
Social Consultoria e consultora do Imaflora.