Patrícia Cota Gomes e Marcelo Salazar*
Vivenciamos um período em que a crise climática bate recordes, com o desmatamento e a degradação da Amazônia sendo, de longe, as principais contribuições do Brasil para o problema - 8 dos 10 municípios que mais emitem gases de efeito estufa estão na região. Nesse contexto, estimular uma economia de baixo carbono que mantenha a floresta em pé, que promova o bem-viver dos povos que nela vivem e que tenha como centro a inovação e a tecnologia se torna um caminho fundamental para enfrentar esse cenário.
O potencial é imenso. Ainda neste ano, o Brasil pretende lançar o Plano Nacional de Sociobioeconomia, instrumento que busca alavancar políticas de promoção da bioeconomia, como parte importante da matriz para o desenvolvimento sustentável do país. Em mapeamento realizado em 2022 pela Fundação Cert, foram identificadas mais de 80 instituições na Amazônia que desenvolvem cerca de 2 mil linhas de pesquisa associadas a produtos e tecnologias com possibilidade de gerar valor a partir da biodiversidade. Já o relatório Nova Economia da Amazônia, de 2023, produzido pelo WRI Brasil e The New Climate Economy, estimou que o PIB em um cenário de bioeconomia na Amazônia Legal atingiria R$ 38,5 bilhões em 2050, empregando cerca de 950 mil pessoas.
Mas para que a sociobioeconomia prospere e ganhe escala é preciso uma nova geração de negócios e arranjos que de fato dialoguem com a floresta e seus povos. É necessário apostar na chamada Bioeconomia, que prioriza a sustentabilidade em relação ao crescimento econômico puro e simples, promovendo a biodiversidade e serviços ecossistêmicos, conservando e valorizando os povos que mantem a floresta de pé.
Importar os modelos de negócios de sucesso pensados para realidades urbanas não são adequados à realidade da floresta e seus povos. É preciso ouvir quem promove este tipo de economia integrada à natureza há milhares de anos, como os povos indígenas e populações tradicionais, e compreender seus modelos econômicos, que não visam o lucro imediato e a acumulação, mas sim o bem-viver entre humanos e não humanos, se enxergando como parte da natureza.
Mas afinal qual é a cara dessa nova geração de negócios?
É preciso haver relações comerciais diferenciadas entre as empresas e os povos da floresta, com valor compartilhado, relações éticas e precificação justa. A sociobioeconomia precisa ser pautada em fontes diversas de geração de renda, com a integração de produtos e serviços socioambientais, incluindo créditos de carbono, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e ecoturismo, além de diversidade de cadeias produtivas, superando a concentração em poucos produtos, como cacau, açaí e castanha. Existe um espaço imenso para a diversificação e descoberta de novos produtos e ingredientes com potencial de mercado e geração de impactos socioambiental.
É preciso também investir em tecnologia na floresta, a fim de superar os desafios das cadeias de produção, agregando valor e qualidade aos produtos. Em seu relatório, o WRI Brasil mostra que a região da Amazônia é deficitária em relação ao resto do país e ao exterior, exportando bens primários e adquirindo produtos e serviços de maior valor agregado. Em 2015, o déficit ficou em R$ 114 bilhões. Com a internalização de etapas de cadeias produtivas, como o investimento em usinas de processamento e ativos florestais, por exemplo, seria possível agregar valor aos produtos e com isso gerar mais emprego e renda tanto para as populações extrativistas quanto para trabalhadores envolvidos nas etapas seguintes em cidades amazônicas.
O que ainda falta para que isso aconteça de fato?
Que empreendedores mergulhem na realidade da Amazônia, compreendendo a realidade de cidades do interior onde os desafios batem na porta. Que investidores assumam mais riscos, inclusive o de desenvolver e usar novas réguas de avaliação de negócios para seus investimentos, considerando o impacto socioambiental gerado e não apenas o retorno final.
Que o poder público invista em assistência técnica e incentivos para negócios socioambientais, inclusive com redução ou isenção fiscal para cadeias de produtos da floresta. Que avance na instalação de indústrias “verdes” na região, menos poluentes e com tecnologias de ponta.
Já existem diversos modelos de negócios de sociobioeconomia sendo testados e implementados no Brasil. Para que esses negócios floresçam e sejam parte efetiva da solução para a crise climática, investidores, empreendedores, centros de tecnologia e pesquisa, ONGs, governos e consumidores precisam se unir e compreender que, conforme definição de Ricardo Abramovay, a bioeconomia não é apenas um ramo da economia com agregação de tecnologias e serviços, mas sim um valor ético, que deve estar na base de toda e qualquer decisão econômica.
*Patrícia Cota Gomes, Diretora Executiva Adjunta do Imaflora, e Marcelo Salazar, Fundador e co-CEO da Mazô Maná Forest Food e membro da rede Origens Brasil®
Publicado por Um Só Planeta.