O uso do fogo no cultivo da cana-de-açúcar é antigo,
remonta a séculos passados. Entretanto, tal prática de queima ainda é utilizada
em canaviais de diversas regiões do país. Seu objetivo é facilitar a colheita
manual. Os efeitos colaterais dos incêndios planejados nos canaviais,
entretanto, são nefastos para o meio ambiente e os seres vivos. Eles emitem
grandes quantidades de Gases de Efeito Estufa (GEE) causadores das mudanças
climáticas globais, além de monóxido de carbono (CO) e outros óxidos de nitrogênio
(NOx), substâncias poluentes e altamente tóxicas. Causam problemas
respiratórios em trabalhadores rurais e nas populações próximas. Além de não
melhorar em nada a produtividade no campo, provocam a perda de matéria orgânica
do solo. Um decreto federal de julho de 1998 determinou a
eliminação total até 2021 do uso de queimadas nas colheitas de cana-de-açúcar
em todo o território nacional. A proibição é gradativa e começou a ser colocada
em prática em áreas passíveis de mecanização da colheita em terrenos onde a
declividade não ultrapasse 12%. O decreto prevê para até 2031 que áreas de
difícil mecanização também sejam incluídas na proibição. A determinação já
apresentou resultados palpáveis. Em 2013 a emissão de GEE pela queima de
resíduos para cada tonelada de cana-de-açúcar produzida foi 80% menor que há
vinte anos.
É importante notar que essa drástica redução dessas
emissões no país tenha como maior responsável São Paulo. O estado antecipou os
prazos previstos no decreto federal, de 2021 para 2014 e de 2031 para 2017,
graças ao Protocolo Agroambiental do Estado de São Paulo firmado em 2007. Antes
disso, em 2002, a assembleia legislativa de São Paulo já havia aprovado a lei
estadual 11.241 que estabelece o controle das queimadas nas plantações de cana-de-açúcar.
Os resultados apareceram: um estudo encomendado pela
Secretaria Estadual de Meio Ambiente paulista à empresa Agrosatélite Tecnologia
Aplicada revelou que mais de 80% da colheita de cana-de-açúcar, nas safras de
2013/2014, foi realizada sem queima. Consequentemente, as emissões de GEE pela
queima dos canaviais no estado foram de 1,9 mil t de CO2e para cada um milhão
de toneladas de cana-de-açúcar produzida apenas. Esse número é 70% menor que a
média nacional daquele período. O protocolo pelo fim da queima nas lavouras
paulistas de cana-de-açúcar é voluntário e recebeu a adesão de mais de 170
unidades agroindustriais, além de 29 associações de fornecedores. Juntos, eles
representam mais de 90% da produção do estado. Por conseguinte, outros estados
estão seguindo o exemplo de São Paulo. Novas leis anti-queimadas foram adotadas
em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul. No Rio de Janeiro e Paraná
projetos de lei semelhantes estão em fase de discussão.
Entretanto, regiões produtoras importantes como o
Nordeste – responsável por aproximadamente 10% da produção do país – ainda não
têm previsão de elaborar legislações estaduais para decretar o fim da queima da
cana-de-açúcar. Lá, apenas 30% da área produzida é suficientemente plana para a
adoção da colheita mecanizada. De acordo com a Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) a mecanização incrementaria fortemente
as taxas de desemprego no Nordeste. A região absorve cerca de 30% de toda mão
de obra ocupada por essa produção no Brasil. A realocação destes trabalhadores
rurais dependerá de treinamento e de oportunidades em outros setores da
agropecuária que poderão absorver esta mão-de-obra.
Projeções realizadas em 2013 pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) dão conta de que aumentos
significativos na produção de cana-de-açúcar acontecerão em Goiás. Ainda assim,
o estado terá produção inferior a São Paulo e Paraná. De qualquer forma as
emissões provenientes da atividade devem ser eliminadas até 2021 com o notável
progresso contínuo da mecanização da colheita de cana na maioria dos estados
brasileiros. O decreto que determina o fim da queima – assim como as
legislações e acordos estaduais como o Protocolo Agroambiental – são exemplos
de iniciativas que podem colaborar diretamente com a redução de emissões na
agricultura sem afetar o crescimento do agronegócio brasileiro.
O setor canavieiro saiu na frente e mostrou resultados
onde o produtor ganha e o clima também. Repensar o agronegócio focando em uma
agricultura mais eficiente, mais produtiva e com baixas emissões de GEE é uma
caminho sem volta.
Marina Piatto - Coordenadora da Iniciativa de Clima e
Agricultura do ImafloraCiniro Costa Junior – Analista de Clima e Agricultura do
Imaflora