Esse texto busca contribuir
com alguns esclarecimentos sobre o que está em jogo na recente votação sobre a
rotulagem dos alimentos transgênicos na Câmara dos Deputados¹, na qual a maioria votou
contra a identificação nas embalagens dos componentes modificados
geneticamente, contidos naquele produto.
Para começar, sementes
transgênicas são aquelas que foram transformadas em laboratório para que possam
receber alguma característica desejável pelo seu criador, na maioria das vezes
grandes empresas multinacionais. As mais conhecidas são as que recebem uma
modificação que as faça resistir à aplicação de agrotóxicos ou a determinadas
pragas. Atualmente, a maioria das plantações de soja e de milho, no Brasil, é
transgênica.
Quando essas tecnologias foram
disseminadas há pouco mais de 15 anos, as empresas publicaram que a resistência
a agroquímicos seria apenas uma primeira fase. A promessa era de que com o
passar dos anos, os transgênicos seriam utilizados para fins mais nobres.
O que temos visto, é que a
tecnologia empregada atualmente ainda é, preponderantemente, voltada à produção
de sementes resistentes as pragas e agrotóxicos.
Usando o milho como exemplo:
antes das sementes transgênicas, o produtor precisava aplicar vários tipos de
herbicidas nas entrelinhas da plantação, para controlar as ervas daninhas. A
nova tecnologia desenvolveu uma planta tolerante, permitindo a aplicação de um
só tipo de herbicida área total, o glifosato.
Com o tempo, as plantas
daninhas começaram a ficar resistentes às aplicações continuas do glifosato, o
que é normal. Então, as indústrias criaram uma nova semente transgênica, resistente
a dois tipos de herbicida, o glifosato e o 2,4-D. Desta forma, os dois produtos
químicos podem ser aplicados em área total ampliando a gama ervas indesejadas
controladas.
Para o consumidor essa
notícia não é nada positiva. O 2,4,D é ainda mais tóxico que o glifosato, e
certamente os resíduos desses herbicidas no grão de milho irão aumentar quando
comparados aos grãos convencionais.
Para
quem não sabe, um dos componentes do agente laranja utilizado na guerra do
Vietnã era o 2.4-D, e por isso tantas críticas com relação ao provável aumento
do seu uso na produção de alimentos.
Mas todo transgênico é ruim?
Não necessariamente. Como já dissemos, existem aplicações nobres
para essa tecnologia, como a fabricação de medicamentos, resistência de
lavouras à seca, adaptabilidade a condições climáticas especificas entre
outras.
Mas porque não se criam
plantas transgênicas que reduzam a necessidade de agrotóxicos?
Toda patente de molécula
química tem um prazo de validade, isto é, se determinada empresa desenvolve um
produto para aplicar em lavouras, pode usar sua patente por 10 anos. Após esse período, outras empresas podem
fabricar um produto com o mesmo principio ativo, e assim concorrer com a
criadora original.
Por exemplo, após 10 anos do
desenvolvimento e utilização do herbicida Roundup,
e com a abertura de sua patente, outras empresas começaram a produzir o
principio ativo, o glifosato, a preços
bem menores que o original, reduzindo a
lucratividade de sua produção.
Já sabendo que essa lógica
faz parte do negócio, desenvolveu-se a soja, o milho e o algodão tolerantes à
aplicação do Roundup. Assim,
foi iniciado um novo ciclo no qual os produtores que se utilizam das sementes
transgênicas, precisam comprar também o pacote tecnológico associado àquela commodity para garantir a produção esperada.
Nesse sistema, o ciclo
econômico da cadeia do agrotóxico foi fortalecido. O produtor recebe a
tecnologia dos traders (semente
transgênica + herbicidas + adubos) e em troca, devolve parte da produção
colhida e paga um royalty à empresa
que desenvolveu a semente transgênica.
Com relação a atual
obrigatoriedade da rotulagem e o entendimento dos motivos que podem levar ao
seu fim, as empresas de alimentos alegam que o símbolo confunde os consumidores
já que a maioria deles não sabe o que significa “produto transgênico” e que não
há provas de que esse tipo de alimento possa causar problemas à saúde humana.
Atualmente, pelo menos 64 países² exigem que a presença de
transgênicos em alimentos seja explícita. Entre eles estão o Japão, Austrália,
Rússia, China e União Europeia. Nos
Estados Unidos³ há forte campanha nesse sentido.
E no Brasil, o consumidor
deve ter o direito saber se o produto que está consumindo tem componentes
transgênicos?
Eduardo
Trevisan Gonçalves - Engenheiro agrônomo, MBA em agronegócios – Gerente de Projetos
e Secretário Executivo Adjunto do Imaflora.
[1]
http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/veja-a-lista-de-deputados-que-derrubaram-a-rotulagem-de-alimentos-transgenicos-4519.html[2]
http://www.labelgmos.org/the_science_genetically_modified_foods_gmo[3]
https://www.2degreesnetwork.com/groups/supply-chain/resources/food-companies-put-pressure-obama-adopt-gmo-labelling-laws/
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