Por Leonardo Sobral - Diretor de Florestas e Restauração do Imaflora
A Amazônia enfrenta há décadas uma batalha contra o desmatamento. Mas, em meio a discussões sobre conservação e desenvolvimento, a rodovia BR-319 é um caminho de contradições hiperbólicas. Ligando Manaus a Porto Velho, essa estrada representa um desafio de planejamento sustentável. Embora sua pavimentação seja defendida como uma oportunidade de integração regional, ela também é um vetor de desmatamento e grilagem de terras na Amazônia.
No centro desse debate estão as Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs) localizadas no sul do estado do Amazonas, região cortada pela BR-319. Essas áreas, que somam 11,7 milhões de hectares, são as mais vulneráveis ao desmatamento ilegal, com impactos que ultrapassam a esfera ambiental e atingem diretamente a economia regional e nacional.
A edição nº 18 do Boletim Técnico Timberflow, com título “Valoração de ativos ambientais de Florestas Públicas Não Destinadas no Sul do Amazonas”, liderado pela iniciativa de Legalidade Florestal, do Imaflora, analisou os custos econômicos do desmatamento na região e revelou números alarmantes. Quanto vale o prejuízo da destruição? E, mais importante, como a conservação pode gerar ganhos econômicos e sociais?
A BR-319: contradições entre integração e desmatamento
Desde a década de 2000, a BR-319 tem sido um dos principais motores do desmatamento no sul do Amazonas. Dados mostram que 87% do desmatamento na Amazônia ocorre há menos de 25 km de uma rodovia, e a BR-319 não é exceção.
Em 2022, essa região concentrou 90% do desmatamento no estado do Amazonas, uma realidade que só tende a piorar com a expansão de ramais clandestinos conectados à rodovia. Esses ramais facilitam a ocupação ilegal das Florestas Públicas Não Destinadas, promovendo a grilagem, a exploração ilegal de madeira e a conversão de florestas em pastagens.
Sem medidas de proteção, a projeção é que até 2050 mais de 1,4 milhão de hectares dessas FPNDs serão desmatados, resultando em perdas econômicas e ambientais irreversíveis.
O custo do desmatamento: R$ 15 bilhões em prejuízos
Manter as florestas em pé é economicamente mais vantajoso do que derrubá-las. O estudo do Imaflora estimou que o desmatamento nas FPNDs do sul do Amazonas gerará um impacto de R$ 15 bilhões em 30 anos, ou cerca de R$ 2.800 por hectare/ano.
A exploração ilegal de madeira compromete o potencial de manejo sustentável, avaliado em bilhões de reais. O desmatamento emite carbono na atmosfera, prejudica a biodiversidade e afeta o regime de chuvas. A grilagem e a ocupação ilegal geram conflitos fundiários e desestabilizam economias locais.
Apesar do cenário crítico, o estudo também aponta que as FPNDs conservadas podem ser transformadas em uma fonte de riqueza sustentável. A valoração econômica realizada revelou que a conservação dessas florestas pode gerar retornos superiores aos da pecuária e da exploração predatória.
Principais achados do estudo:
O boletim nos apresenta alguns resultados: concessões florestais sustentáveis (madeira e carbono) pode gerar R$ 6,5 bilhões em 30 anos (43% do total de benefícios econômicos); créditos de carbono - com um estoque de carbono de 324 toneladas por hectare, as FPNDs podem atrair recursos de mercados de carbono, estimados em US$ 15 por tonelada de CO2; potencial de receita direta - bilhões de reais em investimentos climáticos.
O desafio não é apenas conter o desmatamento, mas transformar a região em um modelo de desenvolvimento sustentável. Para isso, algumas ações são prioritárias: combater a grilagem e cancelar registros fraudulentos no Cadastro Ambiental Rural (CAR); monitorar ramais clandestinos e implementar a devida penalização dos infratores ambientais punir efetivamente infratores ambientais pelas práticas ilegais; criar Unidades de Conservação e Terras Indígenas em áreas prioritárias; implementar concessões florestais que conciliem uso econômico e proteção ambiental; ampliar cadeias produtivas de produtos não madeireiros, como castanha e borracha; incentivar projetos comunitários voltados para o mercado de carbono e o turismo sustentável; condicionar qualquer intervenção na BR-319 à implementação de salvaguardas socioambientais robustas.
Um futuro sustentável para a Amazônia
A BR-319 simboliza o desafio de equilibrar desenvolvimento e conservação. Sem ações estratégicas, ela continuará a ser uma estrada para o desmatamento, com impactos econômicos e ambientais devastadores.
Por outro lado, as Florestas Públicas Não Destinadas oferecem uma oportunidade única para reverter esse cenário. Ao transformar a região em um modelo de economia verde, é possível preservar os ativos florestais, gerar empregos e combater a crise climática.
A questão é clara: o que custa mais caro? Ignorar as FPNDs ou investir no seu futuro? A resposta está nas nossas mãos. O futuro da BR-319 não precisa ser um caminho que leve à destruição. Com planejamento e conservação, ela pode se tornar um exemplo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia e o mundo.
Para acessar o Boletim Técnico acesse: https://admin.imaflora.org/public/media/biblioteca/boletim_timberflow_18_fevereiro_ajuste_110225.pdf