Por Eduardo Trevisan Gonçalves e Vitor França*
A produção de cacau no Brasil tem experimentado um notável crescimento nos últimos anos, impulsionada pelas demandas nacional e internacional por chocolates. No entanto, esse cenário traz desafios significativos para os agricultores familiares que tradicionalmente cultivam cacau na região amazônica.
A Amazônia, centro de origem do cacau, tem se mostrado uma região propícia para o cultivo de cacau devido a sua rica biodiversidade e ao seu clima favorável. Houve um aumento significativo da produção na região, impulsionado pela expansão das áreas de cultivo e pela adoção de tecnologias sustentáveis de manejo como o sistema agroflorestal (SAF), como resposta à crescente demanda por cacau sustentável, à disponibilidade de áreas e ao reconhecimento da qualidade do cacau brasileiro no mercado global.
A agricultura familiar desempenha um papel fundamental na produção de cacau na Amazônia. Pequenos produtores rurais familiares, muitas vezes vivendo em áreas de assentamentos ou em comunidades tradicionais, têm uma maior aptidão para a produção sustentável, muitas vezes não por acesso a tecnologias sustentáveis e sim graças às necessidades enfrentadas nessa realidade. Essas famílias demonstram um conhecimento profundo do ambiente local e de como adotar práticas sustentáveis a partir de conhecimentos empíricos, respeitando os recursos naturais e garantindo assim a qualidade do produto e manutenção da biodiversidade. Com isso, a agricultura familiar tem um alto potencial de promover grandes evoluções socioambientais para a cadeia produtiva, uma vez que formam o maior grupo produtivo de cacau da Amazônia.
Apesar de seu papel essencial, os agricultores familiares enfrentam diversos desafios na produção de cacau na Amazônia. Entre os principais estão: dificuldades de acesso a crédito, assistência técnica e insumos agrícolas de qualidade; desafios na comercialização de seus produtos, ocasionados por dificuldades de gestão das cooperativas locais, pela pouca quantidade de compradores diretos da indústria, falta de acesso a mercados que valorizem o cacau de qualidade e a forte atuação de intermediários reduzem sua margem de lucro; e a Amazônia enfrenta ainda uma pressão constante do desmatamento ilegal e outras práticas degradantes como o garimpo ilegal. A “cultura” da pecuária extensiva e agricultura de baixa tecnologia também ameaça áreas de cultivo de cacau, tanto por perda direta de terras, quanto por impactos indiretos, como mudanças no regime de chuvas e alterações no ecossistema.
Para enfrentar esses desafios, uma série de iniciativas têm sido implementadas pelo Imaflora, que possui experiência de décadas na cadeia de cacau e na agricultura familiar. Em parceria com diversas instituições, atividades de apoio são desenvolvidas, como:
a) Programas de financiamento: acesso a crédito facilitado e a linhas de financiamento específicas para agricultores familiares;
b) Assistência técnica: capacitação e suporte técnico especializado para melhoria das práticas agrícolas, regeneração dos solos degradados e aumento da produtividade;
c) Certificações e rastreabilidade: a obtenção de certificações de qualidade e de origem sustentável pode abrir portas para mercados mais exigentes, garantindo preços justos para os produtores e fortalecimento de cooperativas. Além disso, a rastreabilidade do cacau permite que os consumidores identifiquem produtos provenientes de agricultura familiar;
d) Parcerias e cooperativas: a formação de parcerias entre agricultores familiares, cooperativas e outros atores da cadeia produtiva pode fortalecer a capacidade de negociação e aumentar a competitividade dos produtos;
e) Conservação ambiental: ações como a proteção de áreas de floresta e a promoção de práticas sustentáveis de produção são essenciais para garantir a sustentabilidade da produção de cacau na Amazônia.
Dessa forma, o futuro da relação entre produção de cacau, agricultura familiar e Amazônia depende de uma abordagem integrada e colaborativa que reconheça a importância da agricultura familiar, promova a valorização do cacau de origem amazônica e fortaleça os mecanismos de apoio a esses agricultores. É essencial investir em políticas públicas que melhorem o acesso a recursos, estimulem a criação de mercados justos e promovam a adoção de práticas sustentáveis. Além disso, a conscientização dos consumidores sobre a origem dos produtos e a sua responsabilidade na conservação da Amazônia é fundamental para garantir a demanda por cacau produzido de forma sustentável, protegendo a rica biodiversidade e as tradições culturais da região.
*Eduardo Trevisan Gonçalves é Gerente de Cadeias Agropecuárias do Imaflora. Vitor França é Coordenador de Projetos e Serviços do Imaflora, envolvendo as cadeias de cacau, guaraná e linhas ESG.