Marco Lentini[1], Leonardo Sobral[2] e Roberto Palmieri[3]
A sociedade brasileira tem visto com indignação o ritmo de destruição da Amazônia, com as taxas de desmatamento nos patamares mais elevados dos últimos 15 anos. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, cerca de 1,3 milhão de hectares foram desmatados segundo os dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Além das perdas para a biodiversidade, a ciência mostra que o desmatamento descontrolado contribuiu para o agravamento da crise hídrica e para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, intensificando as mudanças climáticas.
Mas não é só através do desmatamento que as florestas da Amazônia estão sendo empobrecidas. Um segundo fenômeno importante é a degradação das florestas, realizado por ações como a exploração predatória de madeireira, ou seja, sem o emprego de técnicas adequadas de manejo florestal. A rede Simex (Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira), composta por organizações da sociedade civil, mapeou cerca de 460 mil hectares de florestas exploradas na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020, revelando 12 mil hectares de exploração madeireira em florestas não destinadas, que são áreas públicas que ainda não tiveram seu uso definido. De igual modo, a pressão para exploração em áreas protegidas vem crescendo, sendo que mais de 16 mil hectares de exploração ilegal foram detectados em unidades de conservação de proteção integral.
As soluções para estancar a perda das florestas brasileiras são complexas, envolvendo uma ampla gama de interesses econômicos, políticos e sociais e enfrentam uma série de desafios. Entre os caminhos para isso destacamos as concessões de florestas públicas na Amazônia. A política de concessões florestais, criada a partir da Lei de Gestão de Florestas Públicas (LGFP, Lei Federal 11.284), completa 16 anos em 2 de março de 2022, sendo responsável por regular as concessões, que são uma modalidade de acesso às florestas públicas via licitação, por empresas, associações comunitárias ou cooperativas para que obtenham o direito de explorar produtos e serviços, por um período determinado e sujeito a uma série de regras. Destaca-se a necessidade de realizar o manejo florestal, ou seja, adotar as técnicas adequadas para que a floresta seja mantida em pé, aliando conservação e produção.
As concessões podem contribuir efetivamente para frear o desmatamento pelo potencial que possuem hoje de aumentar o controle de uso sobre as florestas públicas, evitando ações ilícitas como a grilagem e o garimpo. Ao mesmo tempo, permitem, devido aos contratos firmados em longo prazo, que investimentos sejam feitos por parte do concessionário, como a exigência da adoção do manejo florestal e instalação de infraestruturas permanentes. Elas fazem a sinergia de uma série de políticas públicas e permitem uma maior presença do estado onde muitas vezes há carência, representando oportunidade de geração de renda e de empregos em áreas remotas. Em seguida, a obrigatoriedade de reverter parte dos recursos advindos da exploração da floresta às comunidades locais traz benefícios sociais importantes para municípios que, historicamente, possuem poucas fontes de promoção de desenvolvimento social. Finalmente, devido aos sistemas para o controle da exploração e da rastreabilidade da madeira, assim como da adoção de sistemas de certificação florestal por boa parte dos concessionários, podem mitigar significativamente os problemas relacionados à exploração ilegal de madeira.
De fato, as concessões florestais na Amazônia só não são mais efetivas no combate ao desmatamento através do controle de uso de florestas públicas devido ao ritmo de implementação desta política. Nos 16 anos de existência da LGFP, foi alcançado apenas 1,6 milhão de hectares de concessões ao nível federal e estadual, ou seja, a uma taxa média de implementação de 100 mil hectares por ano. Estudos do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) têm demonstrado que esta área é capaz de suprir, no máximo, 5% da demanda por madeira em tora da região, sendo que o potencial de implementação é muito maior, podendo chegar a 100% da demanda atual, que poderia contribuir para o fim do comércio de madeira ilegal. Existem dificuldades de implantação que contribuem para diminuir ainda mais o ritmo de implantação como por exemplo na resolução de conflitos com comunidades locais, situação vista na Flona de Sacará-Taquera, Flona do Crepori e na Flona de Altamira, todas no Pará.
A necessidade de acelerar a implementação desta forma de uso das florestas é bem conhecida. Em 2020, o projeto de Lei (PL) 5518/2020, que tramita na câmara de deputados federal, trouxe questões importantes buscando dar agilidade aos processos licitatórios e propiciando aos concessionários maiores oportunidades econômicas com a possibilidade de comercialização dos créditos de carbono. Na sua versão original, é necessário destacar, o PL mantém todas as salvaguardas ambientais e de transparência do processo de concessão.
Para que a política de concessões tome a escala desejada para o controle do desmatamento e da degradação de áreas públicas, precisamos chegar no patamar de 25 milhões de hectares em um período que não exceda 10-15 anos. Para que isso se torne possível, seria necessário implementar 1,6 milhão de hectares de concessões por ano, ou seja, aumentar em 16 vezes a taxa atual. Assim como não existe uma ‘bala de prata’ para estancar a destruição de florestas, aumentar o ritmo de implementação das concessões de florestas públicas e o combate à exploração madeireira ilegal não é uma tarefa trivial. Esta é uma tarefa impossível se as agências de governo, as organizações da sociedade civil envolvidas no tema e mesmo as empresas madeireiras não se prepararem especificamente para esta meta.
É crucial que as políticas e ações locais possam ter maior conexão entre as estratégias desenhadas na esfera federal com os arranjos institucionais locais, produzindo assim políticas e ações efetivas nos municípios alinhados aos objetivos da Lei. Neste contexto, é fundamental a conscientização e treinamento de empresários e trabalhadores para que possam efetivamente concorrer às concessões e implementar o manejo florestal. Esta formação e adequação do setor precisa ir sendo feita em paralelo com o ritmo de áreas previstas para serem concessionadas. A impulsão das concessões dependerá de sistemas de controle e da rastreabilidade dos produtos que se provem robustos, assim como a atração de novos investimentos. Finalmente, para que façam efetivamente seu papel, as concessões precisarão de critérios mais claros para a distribuição dos recursos gerados, levando em consideração os potenciais impactos positivos sobre as comunidades e os municípios, fazendo com que os benefícios do manejo florestal estejam efetivamente a serviço destes coletivos.
[1] engenheiro florestal, coordenador sênior de projetos do Imaflora
[2] engenheiro florestal, gerente florestal do Imaflora
[3] engenheiro agrônomo, gerente de projetos do Imaflora