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Demanda da China por carne com sustentabilidade pede diálogo e colaboração

28/05/2023

Larissa Wachholz e Marina Piatto*


Da economia à geopolítica, a visita do presidente Lula à China resultou em diversos acordos, que podem gerar investimentos da ordem de R$ 50 bilhões. O fato de a visita do Brasil coincidir com a reabertura do país asiático no pós-pandemia contribuiu para o sucesso da missão e para o clima de otimismo no ar. Um aspecto importante é que o combate à mudança do clima mereceu uma declaração conjunta exclusiva, o que mostra que esse é um assunto central das estratégias de política externa entre os dois países. Demais temas, como agricultura, esportes e turismo, foram agrupados em outra declaração conjunta, que abordou propostas de cooperação e aprofundamento estratégico.

 

Sendo a China atualmente o maior emissor de gases de efeito estufa e o Brasil, o sétimo país neste ranking, é natural que ambos estejam engajados em buscar soluções para neutralizar suas emissões. Porém, enquanto a principal fonte das emissões chinesas é a energia - pelo uso do carvão em sua matriz, que chega a 60% e torna a China responsável por metade do carvão queimado no mundo -, no Brasil a maior causa é a mudança do uso da terra, que responde por 49% das nossas emissões, seguida da agropecuária, com 25%, segundo os dados mais recentes do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) do Observatório do Clima, referentes ao ano de 2021.

 

Durante os 10 dias em que estivemos na China, acompanhando a delegação brasileira e dialogando com diversos atores governamentais, empresariais e da sociedade civil, ficou claro o avanço do tema da sustentabilidade dentro da China, que busca cada vez mais implementar uma economia de baixo carbono, de forma a atender seus compromissos de pico de emissões até 2030 e neutralidade até 2060. Conversamos com representantes do Ministério da Ecologia e Meio Ambiente da China e com think tanks relacionados, que lá exercem um importante papel de contribuição técnica para a formulação de políticas públicas. Visitamos a Universidade Tsinghua e a Universidade de Agricultura da China, onde conhecemos pesquisadores já dedicados à colaboração Brasil-China em mudança do clima e sustentabilidade. Em todos os ambientes, a crise do clima fez parte do debate. 

 

Em se tratando de nosso maior parceiro comercial desde 2009 - no ano passado, a China importou o equivalente a 89,7 bilhões de dólares em produtos brasileiros e exportou quase 60,7 bilhões de dólares para o Brasil -, abre-se uma janela de oportunidade para conciliarmos nossas metas de redução de desmatamento e agropecuária de baixo carbono com a demanda chinesa. Um mercado potencial e exemplar para o cumprimento destes objetivos é o da carne bovina, pois temos na China nosso maior cliente internacional. Cerca de 40% das importações chinesas de carne em 2022 tiveram origem no Brasil, o que equivale a 987 mil toneladas. E o consumo médio de carne bovina pelos chineses ainda é baixo se comparado com outros mercados. Enquanto os chineses consomem 6 kg per capita por ano, os norte-americanos consomem 38 kg e os brasileiros 37 kg, em média. 

 

A China tem o grande desafio de satisfazer as necessidades alimentares e nutricionais de uma classe média estimada em 800 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial. Com maior acesso à renda, é esperado que esse imenso contingente queira diversificar sua dieta e incluir mais proteína animal em seu cardápio. 

 

Já o desafio do Brasil é oferecer um produto sem desmatamento, com menos emissões, baixo custo e oferta contínua. Como conciliar ambos é o grande nó a ser desatado, pois a China não quer ser acusada de não prestar atenção à sua cadeia de suprimentos e favorecer o desmatamento na Amazônia. Assim, o Brasil precisa desenvolver um diálogo de forma proativa com a China, para que possamos protagonizar soluções que sejam benéficas a ambos os países, sem correr o risco de sermos surpreendidos por regulações impostas sem uma negociação conjunta. Precisamos estar atentos e fazer parte deste diálogo em todas as instâncias: governamental, acadêmica, corporativa e na sociedade civil. Trata-se de tema de fundamental interesse para o Brasil.

 

Uma das iniciativas do Imaflora, o Boi na Linha, é um exemplo de sistema de auditoria e monitoramento de desmatamento ilegal na cadeia da carne bovina. O programa reúne os principais frigoríficos do país, o Ministério Público Federal e organizações socioambientais, e poderia ser harmonizado com critérios e demandas chinesas para garantir produtos de baixa emissão e desvinculados de criminalidade (sem vínculos com ilegalidades como desmatamento e questões sociais). Outra iniciativa, o Carbon on Track, desenvolve o balanço de emissões de produtos agropecuários e já conta com caso de sucesso de um grande frigorífico. A plataforma demonstra que é possível produzir carne bovina sem contribuir com o aquecimento do planeta.

 

Para atender a essa demanda crescente sem promover a abertura de novas áreas, é preciso que o Brasil lance mão de uma série de tecnologias e boas práticas agrícolas já existentes, mas que precisam ganhar maior escala. Por exemplo, a intensificação sustentável, com o aumento da produtividade numa mesma área - atualmente nossa produtividade média é de uma cabeça por hectare, mas poderia chegar a três cabeças por hectare. Existem ainda sistemas de produção, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), com árvores e culturas agrícolas sequestrando os gases emitidos, e o bom manejo de pastagens. Atualmente, o Brasil tem um volume de mais de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas, que poderiam ser recuperadas e ocupadas pela agropecuária. 


O Brasil presidirá o G-20 em 2024 e está pleiteando sediar a COP em 2025, em alguma cidade da Amazônia. São grandes oportunidades de demonstrarmos avanços na redução de emissões de gases de efeito estufa e, como já demonstrado, a produção pecuária pode ser uma peça-chave nessa transformação. Para isso, precisamos desde já intensificar o diálogo com os chineses e assumir protagonismo nessa discussão que tanto nos é cara.

*Larissa Wachholz, Senior Fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). É Sócia da Vallya e foi Assessora Especial da Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Tereza Cristina, para assuntos relativos à China entre 2019 e 2021.
Marina Piatto. Diretora Executiva no Imaflora - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola. É graduada em Engenharia Agronômica pela Universidade Estadual Paulista e possui mestrado em Agricultura Tropical pela Universidade de Bonn na Alemanha com ênfase em Agricultura Orgânica.

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