Realizada pelo Imaflora, 4a edição da série Acertando o Alvo faz um raio-x do setor e aponta desafios para promover a madeira tropical da Amazônia
Apesar de ainda ser um desafio, o mercado de madeira tropical avança, ainda que modestamente, em questões relacionadas à legalidade e sustentabilidade da produção, como mostra estudo inédito do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Dos 59 distribuidores de madeira e especialistas no mercado florestal entrevistados pelo estudo, 44% disseram que desenvolvem formalmente um plano junto a seus fornecedores, o que inclui mapear e analisar riscos de legalidade das cadeias. Para Marco Lentini, coordenador de projetos florestais sênior do Imaflora e um dos autores do trabalho, esse é um cenário otimista. “Existem oportunidades para que as rotinas de compras públicas e privadas de madeira deem um salto de qualidade no curto-médio prazo, com base na legalidade e na sustentabilidade do setor florestal”, afirma.
O estudo faz parte da série intitulada Acertando o Alvo, que desde 1999 apresenta um panorama dos mercados de produtos de madeira originados de florestas naturais da Amazônia e propõe recomendações para aumentar a sustentabilidade no setor. Essa edição, a quarta da série, buscou entender como o mercado madeireiro vem encarando temas como legalidade da madeira, sistemas de certificação florestal e aprimoramento de políticas de compra públicas e privadas.
As questões de origem e legalidade da produção florestal foram consideradas, por 83% dos entrevistados, o principal desafio para promover a madeira tropical da Amazônia. Apesar de estes não serem atributos priorizados no mercado nacional, existe um movimento dos compradores interessados em avaliar os critérios de compra. Mais de 70% das empresas entrevistadas afirmam que documentos como notas de entrega e arquivamento de guias florestais são checados em busca de inconsistências.
"A imagem dos produtos madeireiros da Amazônia associadas ao desmatamento e a crimes ambientais é vista como um grande empecilho e essa percepção tende a aumentar nos próximos anos”, afirma Lentini. “As empresas estão começando a ficar preocupadas com a origem da madeira e existe um nível de pressão de fiscalização que contribui para o aumento desse interesse.”
O estudo avaliou que o poder público tem se esforçado para regular e controlar a legalidade da compra de produtos madeireiros da Amazônia. Dos onze municípios e estados analisados pela pesquisa, 6 possuem alguma normativa que regula a compra pública de madeira nativa. Essas legislações prevêem uma série de instrumentos e processos, como obedecimento de regras nos editais de licitação e apresentação de documentos que comprovem a origem legal do produto. No estado de São Paulo, o principal consumidor de produtos madeireiros tropicais no Brasil fora da Amazônia, além desses documentos são exigidas notas fiscais expedidas, com discriminação dos produtos e volumes.
“O Brasil possui um arcabouço jurídico bastante robusto sobre o tema, que orienta os entes públicos nas compras de produtos florestais”, afirma Lentini. “Em um país onde o mercado madeireiro está voltado ao mercado interno, essas legislações podem gerar um impacto muito importante nas decisões de compra.”
Apesar dos esforços de alguns governos estaduais e municipais para regular a compra de produtos madeireiros da Amazônia, o estudo identificou que os portais oficiais de compras públicas ainda não apresentam o nível de transparência necessária no que se refere aos volumes e gastos públicos nas compras de madeira tropical. “Para haver transparência, é necessário um detalhamento mais fino desses processos de compra, como tipo de licitação, tipo de materiais adquiridos, especificação das espécies, volume e valor dos insumos comprados”, afirma Lentini. “Também seria importante disponibilizar contratos, minutas, editais, lista de concorrentes e informações dos fornecedores em todos os processos.”
O estudo ressalta que empreendimentos florestais que vêm investindo em sistemas de rastreabilidade, certificação e verificação precisam ser reconhecidos de modo diferenciado nas políticas de compras públicas e privadas. “É importante que o consumidor final veja na legalidade um critério decisivo, para não fomentar o mercado ilegal de madeira acabar gerando uma concorrência desleal entre o depósito que apresenta uma cadeia sem fraudes e quem não tem a mesma preocupação.”
Baixo valor agregado e contaminação de ilegalidade
Nos últimos vinte anos, o parque industrial madeireiro da Amazônia enfrentou poucos avanços em tecnologia e modernização. Entre 2018 e 2020, apenas 30% da madeira em tora foi convertida em produtos e a maior parte da produção se concentrou em itens de pouco valor agregado, como peças serradas para a construção civil. “É preciso criar estratégias de desenvolvimento que integrem o setor florestal desde a base até o consumidor final, com medidas que gerem avanços em questões industriais”, afirma Lentini.
O desenvolvimento industrial do setor madeireiro impactaria diretamente na sustentabilidade do mercado. O estudo revela que se o rendimento da indústria madeireira da Amazônia aumentasse 10%, a demanda por florestas exploradas diminuiria em cerca de 57 mil hectares por ano. Esse aumento corresponde a 13% da área afetada pela exploração de madeira entre 2019 e 2020.
Além dos baixos índices de industrialização, outro fator que impacta na competitividade do do setor florestal tropical é a associação da madeira à destruição da floresta amazônica, que leva compradores a optarem por outros produtos. Mais de 80% dos entrevistados afirmam que a madeira tropical enfrenta competição com outros materiais, como aço, ferro e PVC. “O problema é que, frequentemente, esses materiais possuem uma pegada de carbono ou energética maior que o da madeira”, explica Lentini. “Por isso, é importante incentivar a legalidade dessas cadeias para aumentar a competitividade do setor.”