De um lado, a intensificação da legalidade no setor florestal, com o levantamento e disponibilização de dados sobre o setor madeireiro no Brasil e a articulação com os diferentes atores do mercado, pensando e propondo formas de fortalecer essa rede. De outro, o trabalho com projetos de restauração florestal, peça fundamental para reverter o estrago ambiental e climático gerado pelo desmatamento. Esses são os dois principais eixos de atuação do setor de Cadeias Florestais do Imaflora. “No ano de 2022 o Imaflora foi muito demandado por ser considerado referência no setor agrícola e florestal quando se trata de uma agenda que alia a produção e a conservação”, afirma Leonardo Sobral, Gerente Florestal do Imaflora.
A esse movimento do setor empresarial, veio se somar, principalmente após as eleições, uma maior demanda voltada para as agendas públicas, de análises técnicas mais aprofundadas em temas relacionados à atuação do Imaflora. Exemplos da incidência da organização, tanto em políticas públicas da área ambiental como na contribuição para o estabelecimento de cadeias responsáveis na área florestal, são as pesquisas da série Timberflow. Com tecnologias de geoprocessamento de milhares de documentos públicos, os estudos são desenvolvidos com o intuito de estruturar e dar transparência ao setor madeireiro no país de forma acessível e em um único local. Outro exemplo são os estudos feitos em conjunto com a Rede Simex, formada pelo Imazon, Imaflora, Idesam e ICV para avaliar Planos de Manejo Florestais e mapear áreas submetidas à exploração madeireira na Amazônia, assim como a série Acertando o Alvo, que chegou à sua 4ª edição em 2022, e que traz um retrato do mercado madeireiro a partir de pesquisas e entrevistas com os principais atores do setor.
Em 2022, foram lançados 10 estudos, como o boletim técnico da Timberflow, que mostrou que 94% das terras indígenas da Amazônia sofreram pressões externas entre 2016 e 2020; outro que revelou a extrema concentração da exploração madeireira na Amazônia em poucas espécies; um da Rede Simex, que mostrou que a exploração ilegal de madeira na Amazônia está concentrada principalmente em 100 propriedades que possuem Cadastro Ambiental Rural (CAR); e o Acertando o Alvo, que trouxe a disposição do mercado madeireiro da Amazônia em avançar na agenda da legalidade. “Esse é o grande objetivo dos estudos e temos avançado nesses temas. Trazemos também os atores-chave para a mesa, para poder debater, propor alternativas para avançarmos na agenda”, explica Leonardo.
“O Imaflora representou um elo importante no esforço de promoção das concessões florestais como uma ferramenta de defesa da sustentabilidade das florestas brasileiras, seja a partir de iniciativas técnicas (como a Timberflow e a rede SIMEX), promoção de eventos (como a Iniciativa de Legalidade Florestal), e posicionamento institucional em veículos de comunicação. A CONFLORESTA acredita e busca o diálogo para garantia da conservação das florestas e povos que nela vivem, e tem a expectativa de que novas oportunidades surjam da parceria com o Imaflora em 2023 e nos próximos anos”, afirma Daniel Bentes, Diretor executivo na CONFLORESTA - Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais.
Eventos como o “V Fórum de Soluções em Legalidade Florestal – O futuro do setor florestal na Amazônia”, realizado em dezembro, em Belém (PA), e o “Arquitetura do Amanhã 3 – O chamado da floresta”, em novembro, promoveram debates qualificados. Foram discutidos temas fundamentais, como a promoção do manejo florestal sustentável, a intensificação da agenda de concessões florestais de florestas públicas não destinadas e a compra de madeira certificada e com garantia de origem por parte de governos e empresas. “O maior obstáculo para a discussão sobre o futuro da madeira na construção é a generalização dos processos. No Brasil, vivemos realidades distintas que exigem soluções específicas e a indústria não tem muita paciência para atender casos específicos. Para que a evolução aconteça, precisamos romper vários paradigmas e aprender a viver com a complexidade. No caso da Amazônia, por exemplo, precisamos aprender a reconhecer as qualidades de espécies menos comercializadas e difundir esse conhecimento com o mercado consumidor”, afirma Marcelo Aflalo, Diretor técnico do Núcleo da Madeira, uma das organizações que participaram da mais recente edição do Arquitetura do Amanhã.
Mas, se por um lado o avanço do mercado formal de madeira é essencial para ajudar a combater o desmatamento, é importante ressaltar que, no ponto em que estamos, não basta mais apenas parar de desmatar. É preciso recuperar o que foi perdido. Em 2021, a ONU instaurou a década da restauração, para alavancar a recuperação de ecossistemas desmatados em todo o mundo. No Brasil, existe a meta de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação. O Imaflora vem atuando nesse esforço, principalmente por meio do H2A Hub AgroAmbiental, que obteve avanços significativos em 2022, com contratos fechados para a restauração de cerca de 300 hectares. Concebido ao longo de 2021 e tendo iniciado as atividades práticas no ano passado, o H2A acelera projetos de recuperação florestal conectando proprietários de terras, investidores, poder público e toda a cadeia de restauração. O Imaflora atua na gestão da iniciativa, que possui diversos parceiros.
Além das cadeias florestais, o Imaflora possui um importante trabalho de interlocução entre o poder público e a iniciativa privada, por meio do Soja na Linha e Boi na Linha. Os programas promovem o avanço de acordos para o fim do desmatamento na Amazônia relacionados à produção de soja e pecuária. O principal destaque do Boi na Linha em 2022 foi a implementação do processo de auditorias unificadas, com as auditorias sendo feitas pelos frigoríficos junto a seus fornecedores seguindo os mesmos critérios, listados no protocolo criado pelo Imaflora como parte do programa.
“Com o processo de auditoria unificado e a transparência dos dados, você começa a dar informação para que o varejista possa fazer uma escolha informada, sabendo quais frigoríficos que estão na sua rede de fornecedores são signatários do TAC (Termo de Ajuste de Conduta), estão cumprindo os critérios, fizeram auditoria, etc.”, explica Lisandro Inakake, Coordenador de Projetos do Imaflora.
Os primeiros resultados das auditorias unificadas devem sair em meados de 2023, juntamente com a análise sobre os mesmos. “Outro destaque é o quanto o programa Boi na Linha é reconhecido e influencia as políticas privadas no âmbito dos compradores europeus. É nominalmente citado, por exemplo, no documento do Fórum para a Carne (Consumers Good Forum), como referência para que os compradores possam monitorar fazendas ligadas a carne”, exemplifica Lisandro.
O Boi na Linha também avançou em relação à governança, com a criação do comitê de apoio ao TAC, que prevê o não desmatamento na produção pecuária na Amazônia no Pará. Junto com o Ministério Público Federal (MPF) no Pará e a ONG Amigos da Terra, o comitê é formado por uma câmara técnica e outra social, onde são discutidos os aspectos e critérios das iniciativas que fazem parte do programa. “O Boi na Linha deve se tornar uma rotina. Ter uma rotina de adesão, uma rotina de auditoria, uma rotina de publicação de resultados. É preciso profissionalizar essa implementação, para que qualquer interessado saiba buscar a informação”, aponta Lisandro.
Já no Soja na Linha, o grande destaque foi o lançamento do “Roteiro para Relatório de Progresso: Soja livre de desmatamento e com respeito aos direitos humanos na América do Sul”, feito com o apoio da The Nature Conservancy (TNC). O roteiro forma um conjunto de três documentos que buscam ampliar a transparência das traders, as empresas compradoras de soja que negociam o grão com mercados externos. A iniciativa busca contribuir para que o reporte dos progressos feitos pelas traders siga critérios parametrizados, para que possam ser analisados e comparados de forma efetiva, auxiliando os dois elos da cadeia, vendedores e compradores, na hora de divulgarem seus avanços no cumprimento de acordos, e fortalecendo suas tomadas de decisões.
TRANSPARÊNCIA COMO FERRAMENTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS EFETIVAS
O ano de 2022 foi decisivo para reverter o cenário de retrocessos na política ambiental. Além de corroborar posicionamentos de redes da sociedade civil, como o Observatório do Clima, ao qual faz parte, o Imaflora focou esforços na necessária agenda da abertura de dados. “Nos envolvemos com as ações de governo aberto, a importância da transparência, da abertura de espaços de discussão com a sociedade civil, seja nas organizações, universidades, centros de pesquisa ou em grupos representativos da população. Isso é um elemento fundamental para a construção das políticas públicas de qualidade”, afirma Bruno Vello, analista de Políticas Públicas do Imaflora.
Um dos destaques de 2022 foi o marco de 10 anos da criação do Código Florestal, momento oportuno para um balanço do processo de implementação desta lei. O Imaflora esteve presente em algumas mesas do Código Florestal +10, semana de eventos promovida pelo Observatório do Código Florestal (OCF), do qual o instituto faz parte. Um dos estudos apresentados, “O acesso à informação sobre a implementação do Código Florestal pelos governos estaduais”, realizado pelo OCF, Instituto Centro de Vida (ICV), Imaflora, ARTIGO 19 e Instituto Socioambiental (ISA), demonstrou que 28% dos pedidos de informação sobre a implementação do Código Florestal não foram respondidos pelos órgãos estaduais do meio ambiente, ou foram respondidos fora do prazo.
O Código Florestal é a principal legislação responsável por aliar produção agropecuária e conservação ambiental em propriedades rurais no Brasil. Porém, para que seja efetiva, é preciso implementá-la, uma tarefa que cabe aos estados. “Após 10 anos de publicação da lei, ainda temos muito a avançar em sua implementação. E a transparência é um pré-requisito para que a sociedade possa entender em que estágio está esse processo e propor soluções para os desafios, que ainda são muitos”, reforça Bruno.
Outra importante contribuição do Imaflora na área de políticas públicas ambientais foi a atuação, com outras organizações, junto à equipe técnica do IBAMA, como parte do 5º Plano de Governo Aberto do Brasil, para construir um plano de ação de melhorias que resultem em um maior grau de abertura das bases de dados do órgão, ajudando no trabalho de organizações e academia que utilizam essas bases, como de desmatamento e exploração madeireira, por exemplo.
Transparência dos dados, acesso à informação de forma confiável, mapeamento do estado em que se encontra o uso da terra e os recursos naturais e, a partir disso, a proposição e articulação com os envolvidos para a busca de soluções sustentáveis. É dessa forma que o Imaflora vem buscando contribuir e impactar as cadeias florestais do País, fomentando o manejo florestal sustentável e a recuperação de áreas degradadas, para gerar renda às comunidades locais e benefícios ambientais ecossistêmicos. Com essa roda girando em entraves, o desmatamento será desvantajoso, perdendo espaço e interesse para as boas práticas da economia sustentável.
A DEFESA DO CLIMA E MEIO AMBIENTE COMEÇA EM CASA
Além de toda a atuação em políticas públicas de clima e meio ambiente em âmbito nacional, o Imaflora tem uma importante atuação no município de Piracicaba, onde fica localizada sua sede. Um dos exemplos é o projeto Pira no Clima, que ajudou na formulação da Comclima (Comissão Municipal de Mudanças Climáticas), onde o Imaflora ocupa a vice-presidência, e que desenvolveu uma proposta de política municipal de mudanças climáticas. A ação foi fruto de discussões junto à sociedade e instâncias do poder público, e será analisada pelo prefeito para que possa ser encaminhada como projeto de lei para a Câmara de Vereadores. Outras diversas ações de conscientização e educação ambiental também foram desenvolvidas pela Comclima ao longo do ano. E o trabalho em Piracicaba já está atravessando fronteiras: o caso de Piracicaba tem se tornado referência nacional na formulação participativa de planos climáticos com enfoque na equidade de gênero. Como resultado desse trabalho, em 2022, o Imaflora finalizou uma capacitação de um ano para a formulação de planos de mudanças climáticas direcionada a 13 municípios do estado de São Paulo e à Região Metropolitana da Baixada Santista. A iniciativa faz parte do projeto Municípios Paulistas Resilientes conduzido pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo, em parceria com a Agência Alemã de Cooperação – GIZ.
* Esse texto faz parte do relatorio anual do Imaflora 2022. Confira o documento na integra aqui.