Com pouquíssima ou nenhuma abertura ao diálogo com a sociedade civil por parte do governo, avanço contínuo do desmatamento, da pressão em áreas de conservação e contexto econômico também muito complicado, os desafios para as comunidades extrativistas e da agricultura familiar em 2022 foram imensos. A pressão de atividades predatórias contra as populações nos locais de atuação do Imaflora no eixo de cadeias da sociobiodiversidade e desenvolvimento territorial seguiu forte. Apesar disso, a retomada de atividades interrompidas durante os anos mais críticos da pandemia e os sinais apontados para as políticas públicas ambientais pelo novo governo serviram como um importante contraponto positivo.
Para a diretora adjunta do Imaflora e gerente do Origens Brasil®, Patrícia Cota Gomes, o cenário de 2022 não mudou muito em relação ao dos últimos anos, com um contexto político muito complicado para a agenda socioambiental, que refletiu diretamente no trabalho do Imaflora. Por conta do contexto político, muitas das comunidades tiveram de focar esforços em Brasília para tentar frear tentativas de avanços de atividades predatórias como o garimpo e tentativas de diminuição das áreas já reconhecidas. Isso tirou o foco da atenção nas cadeias produtivas. Nesse cenário, vale destacar o apoio de empresas como a Evoltz e a Zurich, que mantiveram o financiamento ao Origens Brasil®, com os recursos sendo repassados para 10 organizações indígenas e comunitárias poderem fortalecer suas cadeias produtivas.
Ao mesmo tempo, em São Félix do Xingu e na Calha Norte do Pará, ambos territórios de atuação do Imaflora por meio do programa Florestas de Valor, o ano de 2022 foi marcado por retomadas, como a volta às atividades das agroindústrias, após os anos mais graves da pandemia. Como o foco da produção é direcionado para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que sofreu cortes e interrupções nos últimos anos, os agricultores familiares e cooperados viram a demanda cair, interrompendo os trabalhos nas agroindústrias. Mas, em 2022, com a retomada das aulas presenciais e do programa de merenda de forma mais contínua, uma agroindústria da Associação das Mulheres Produtoras de Polpa de Fruta (AMPPF) voltou a funcionar. Outras quatro agroindústrias estabelecidas no município de Oriximiná, na Calha Norte, estão em processo de retomada, com os cooperados passando por novas capacitações e mobilizando seus integrantes para este novo momento.
Léo Ferreira, coordenador de projetos do Imaflora, destaca também a renovação do patrocínio ao Florestas de Valor por parte do programa Petrobras Socioambiental, que permitiu o reforço em atividades como a implantação de SAFs nos territórios. “O cenário no norte do Pará era de ameaças, invasões no assentamento PDS Paraíso para extração ilegal de madeira. A retomada desses trabalhos de implantação também tem um impacto de renovar as esperanças dos agricultores de ter o trabalho de assistência técnica se fortalecendo junto à parte produtiva”, afirma Léo.
Além dos treinamentos e capacitações, outro componente importante desenvolvido em 2022 foram as oportunidades de trocas de experiências e vivências com outras comunidades e projetos. O Florestas de Valor recepcionou um seminário em Alter do Chão, que reuniu cinco projetos de diferentes biomas, patrocinados pela Petrobras Socioambiental, incluindo o próprio Florestas de Valor. Além do seminário, que abordou temas como mercado de carbono, as atividades envolveram uma visita a campo, quando integrantes dos demais projetos puderam visitar as comunidades quilombolas de Oriximiná, conheceram um pouco dos trabalhos desenvolvidos pelas cooperativas e puderam contribuir com suas experiências, em uma oportunidade de troca e interação.
“Em 2022, celebramos dez anos dessa parceria de sucesso. Unindo o conhecimento do território do Imaflora ao apoio e gestão da Petrobras, ganhamos escala, conseguimos transformar a vida das populações abrangidas com o conceito de sociobioeconomia, implantamos mais de 300 hectares da agroecologia e agricultura de baixo carbono, contribuindo para o incremento de estoques de carbono e a redução de emissões de gases do efeito estufa, ao mesmo tempo em que estimulamos a crescente autonomia das comunidades”, afirma Gregório da Cruz Araujo Maciel, gerente de reflorestamento e projetos ambientais da Petrobras. “Com a solidez da parceria de longo prazo, aprimoramos o projeto, abrangendo dezenas de comunidades, que hoje estão inseridas no mercado ético e sustentável de produtos da sociobiodiversidade, gerando valor com a floresta em pé com retorno de mais de R$ 3,2 milhões para essas populações. A promoção da sociobioeconomia também permitiu conservar a floresta, proporcionando a manutenção de um estoque de cerca de 15,6 milhões tCO2e e uma remoção líquida acumulada de 28.404,44 tCO2e. O Florestas de Valor se tornou uma referência na nossa carteira, inspirando a atuação de outras organizações e comunidades que apoiamos.”
“Uma atividade muito interessante e que mobilizou bastante os jovens foi uma troca de sementes, realizada em novembro na Casa Familiar Rural (CFR) de São Félix do Xingu com a participação de 72 alunos, pais de alunos, professores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e AMPPF, um público diversificado e mobilizado”, conta Helene Menu, gerente do programa Florestas de Valor. O evento reforçou junto aos participantes o conceito e a importância da troca de sementes para a consolidação da agroecologia, para que haja a garantia da diversidade de espécies. “Foram trocas de 250 espécies diferentes. É muito significativo, é muita coisa. Você mostra essa riqueza de diversidade de espécies que têm no território e vê a empolgação das pessoas, essa troca, isso traz uma unidade e engajamento entre os jovens”, completa Helene, que adianta que, em 2023, haverá a entrega de uma casa de sementes com toda a estrutura para garantir a circulação das sementes para a região, com trocas entre os agricultores.
Outra vitória para as comunidades de agricultores familiares em São Félix do Xingu foi a publicação, no final do ano, de uma instrução normativa para regularizar a pulverização de herbicidas, para que não afetem as plantações de Sistemas Agroflorestais (SAFs) das comunidades que promovem a agricultura familiar. “Esta é uma grande conquista não só para os agricultores familiares, que têm menos riscos de perder seus pomares, mas também para a economia local, que se beneficia quando os agricultores prosperam e fazem girar o comércio da região. Os estudantes também são beneficiados, pois recebem na merenda escolar alimentos saudáveis, distribuídos via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”, ressalta Helene. No processo que culminou na aprovação da instrução normativa, o Imaflora ajudou na construção do diálogo com os produtores, mas o protagonismo foi das próprias comunidades.
O desenvolvimento de produtos com ingredientes da sociobiodiversidade também funciona como modo de aumentar a consciência da sociedade para os desafios e crises sofridos pelas populações indígenas, quilombolas e tradicionais. “A parceria com o Imaflora foi super importante para que a gente conseguisse consolidar um diagnóstico sobre as cadeias produtivas no Território Wayamu. Isso nos deu uma base para criar um plano que norteasse as nossas ações para implementação das alternativas produtivas aos gargalos da região. Mas a parceria fortaleceu principalmente o elo entre as duas instituições em prol do desenvolvimento sustentável e da floresta em pé para os povos indígenas da região”, afirma Natasha Mendes, Coordenadora Adjunta do programa Tumucumaque - Wayamu do Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena.
Outro exemplo de iniciativa que ajudou a aproximar ainda mais o Origens Brasil® de seus públicos foi a campanha “Amazônia Viva é o Melhor Negócio”, que buscou conscientizar o público sobre a importância da conservação da floresta e do engajamento das pessoas por meio do conhecimento e da aquisição de produtos que têm origem no comércio ético junto às comunidades indígenas e tradicionais. O grande destaque entre os novos produtos que fazem parte do Origens Brasil® em 2022 foi o Ritto Cogumelo Yanomami, um risoto da marca Mãe Terra que contém o cogumelo colhido por indígenas da etnia. Houve uma grande campanha de lançamento, que evidenciou a causa Yanomami, colocando o produto como uma estratégia de conservação e geração de renda para a comunidade, que enfrenta invasões e ilegalidades como o garimpo em suas terras, com as trágicas consequências que vêm sendo amplamente divulgadas após o decreto de situação de emergência na Terra Indígena Yanomami pelo novo governo. “A parceria com o Imaflora se tornou essencial para a Mãe Terra. Desde o começo do projeto, conseguimos aprender e construir uma narrativa de trabalho ético, justo e que sustenta o interesse de manter a floresta em pé e que constrói uma ponte entre muitos mundos. Cada momento de trabalho ao lado dos incríveis profissionais do Imaflora nos mostrou a excelência e seriedade desse projeto, e como a força de vontade e um sonho podem ir longe ao encontrar as pessoas certas”, afirma Felipe Lucci, gerente de sustentabilidade da Mãe Terra.
ROÇA SEM FOGO - MENOS FUMAÇA MAIS ALIMENTO
Com o avanço das alterações trazidas pela crise climática, períodos prolongados de seca e a intensificação do fenômeno podem contribuir para incêndios florestais. Nesse cenário, práticas tradicionais como a limpeza de áreas para o plantio com o uso do fogo tornam-se ainda mais perigosas, já que o fogo pode sair de controle. Além disso, a queima da matéria orgânica também contribui para a crise, ao jogar mais gás carbônico para a atmosfera. Mas existe uma alternativa de manejo do solo sem o uso do fogo. Dentro do programa Florestas de Valor, o projeto Roça sem Fogo busca disseminar essa prática entre agricultores para que seja cada vez mais adotada. Entre os meses de novembro e dezembro, a campanha “Roça sem Fogo - menos fumaça mais alimento” divulgou a prática junto a produtores do norte do Pará por meio de informações distribuídas em grupos de Whatsapp de produtores, entrevistas em rádios locais e posts nas redes sociais. O sucesso da campanha fez com que o interesse pelo projeto chegasse até a produtores fora da área de abrangência do Florestas de Valor e caminhasse para uma possível uma parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alenquer, para que o projeto seja levado a outros assentamentos do município.
* Esse texto faz parte do relatorio anual do Imaflora 2022. Confira o documento na integra aqui.