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Sistemas alimentares tradicionais da Amazônia ajudam a diminuir o consumo de ultraprocessados nas escolas e geram renda local

28/04/2024

Patrícia Gomes e Mateus Feitosa*

 

Em pleno século XXI, o sistema de produção agroalimentar mundial enfrenta duras críticas sobre o seu modelo e os impactos gerados para o meio ambiente e para as pessoas, influenciando de forma significativa a formação do hábito alimentar da nossa futura geração. Segundo o pesquisador Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, apesar de cultivarmos mais de 400 espécies para consumo, 90% da nossa alimentação é composta por apenas 15 espécies, e 60% delas vêm de apenas 4 plantas: trigo, milho, soja e arroz; o que nos configura como sendo uma sociedade com um sistema monótono de produção alimentar.

 

Para além do sistema produtivo, a situação da saúde pública se agrava com o aumento do consumo dos ultraprocessados no Brasil, com números alarmantes. Atualmente, a média do país de crianças com excesso de peso e obesidade é quase três vezes maior quando comparada à média global. Em estudo sobre a cadeia dos alimentos, realizado em 2020, o Imaflora revelou que o consumo de alimentos in natura teve queda de 7% ao longo de 16 anos, enquanto o de alimentos ultraprocessados subiu 46%. 

 

O paradoxo desse sistema de produção pode ser percebido no interior da Amazônia, mais especificamente nas escolas municipais que atendem populações tradicionais. São escolas imersas na maior floresta tropical do mundo, em meio a um cenário de altíssima diversidade e com presença de povos que manejam sistemas produtivos tradicionais complexos, diversos e com alto valor nutricional. Ainda assim, a merenda servida nessas escolas vem de longe e, muitas vezes, é composta por alimentos ultraprocessados com baixíssimo valor nutricional, como bolachas, salsichas, presunto enlatado e “suco” em pó. 

 

O Brasil já identificou os impactos que esses sistemas podem acarretar à saúde e ao país, e vem se movimentando para criar regulações e instrumentos para reverter esse cenário. Recentemente, o governo decretou uma nova composição de alimentos in natura para a cesta básica, restringindo o uso dos ultraprocessados. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) são outros instrumentos criados com o objetivo de promover sistemas alimentares de populações tradicionais e agricultura familiar, incentivando a produção local de alimentos e garantindo o acesso a uma alimentação saudável e nutritiva para a população brasileira.

 

Um exemplo da implementação dessa política está no município de Oriximiná, no oeste do Pará. Por meio do PAA, populações quilombolas, que vivem da floresta e têm no centro do seu modo de vida o extrativismo e a adoção de sistemas produtivos altamente diversos, vem abastecendo as escolas da região com parte dos alimentos produzidos localmente. 

 

Desde 2016, itens industrializados vêm sendo substituídos por alimentos como farinha de mandioca, banana, batata doce, quiabo e abacaxi na merenda escolar do município, injetando mais de R$ 900 mil na economia da cidade por meio do PNAE, que oferece alimentação e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica.

 

Os recursos beneficiaram mais de 30 famílias de produtores desses alimentos, em quatro territórios quilombolas e uma Terra Indígena, e atenderam aproximadamente 3 mil alunos quilombolas e indígenas que passaram a se alimentam com os produtos da agricultura tradicional local. 

 

Os desafios para implementar políticas como essas, na escala que o Brasil necessita, já foram exaustivamente mapeados e precisam ser enfrentados rapidamente, uma vez que temos conhecimento sobre o que fazer para torná-las mais acessíveis às populações tradicionais e à agricultura familiar. 

 

E o melhor, os benefícios de promover sistemas como esses transcendem em muito o de apenas prover uma alimentação saudável, com alto valor nutricional para os alunos e com estímulo à economia local. A promoção dessas políticas e desse modelo de produção contribui essencialmente para a valorização da cultura e do modo de vida desses povos, que ao serem valorizados, permite manter vivos conhecimentos ancestrais sobre o manejo e a agricultura, passados de geração a geração por meio da oralidade e da prática. 

 

O país precisa se comprometer de fato, tanto moral quanto eticamente, com as novas gerações e ampliar, seja por essas ou outras políticas públicas, o acesso das nossas crianças a uma alimentação baseada em uma produção socio-bio-diversa, que faz bem para a saúde, para a floresta, para as pessoas e para o planeta.

 

*Patrícia Cota Gomes é diretora executiva adjunta do Imaflora e Mateus Feitosa é analista de projetos do Florestas de Valor

 

Publicado por Um Só Planeta.

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