19/09/2023
Autor(a): Imaflora
A bioeconomia da sociobiodiversidade foi tema de destaque nos Diálogos Amazônicos, evento que aconteceu entre os dias 4 e 6 de agosto e antecedeu a Cúpula da Amazônia, em Belém do Pará. O encontro consagrou-se pela sua magnitude e por reunir múltiplos atores interessados na construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Além de sua grandiosidade, o que me chamou especial atenção foi o espaço que o assunto da bioeconomia ganhou. E não é à toa, uma vez que o Brasil é o país mais megadiverso do mundo, e por isso possui uma vantagem competitiva única frente a outros países. A biodiversidade deveria, portanto, ser vista como estratégica-chave para o desenvolvimento nacional e deveria ser a nossa grande aposta enquanto nação.
Mas para que essa bioeconomia, que pode nos ajudar a enfrentar essa emergência climática sem precedentes que vivemos, possa se tornar realidade, o país precisa agir no campo da biodiversidade da mesma forma como agimos no campo da agropecuária. Ou seja, nos transformarmos em campeões de biodiversidade traçando uma estratégia de longo prazo, priorizando a agenda, e assegurando pesquisa, assistência técnica, investimentos e incentivos necessários.
Precisamos antes, contudo, compreender a biodiversidade como sinônimo de inovação, uma vez que pode contribuir não somente para a geração de negócios mais verdes, como também para a solução de problemas da sociedade contemporânea. Diversos estudos em andamento no Brasil utilizam espécies da Amazônia na busca da cura de doenças, como o conduzido pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), estudando espécies do gênero Piper da Amazônia contra o câncer.
Da mesma forma, negócios a partir da biodiversidade vem atraindo cada vez mais setores, de grandes empresas a startups, como os de alimentação, os de ingredientes funcionais e plant-based Amazônicos, e os de beleza, que vem buscando novas aplicações cosméticas com ingredientes e ativos da floresta. São muitas as empresas e produtos que trazem ingredientes da biodiversidade como diferencial de marca.
Ou seja, há um grande potencial econômico nos produtos advindos da sociobiodiversidade. O estudo recente Bioeconomia da Sociobiodiversidade no Estado do Pará calculou a importância econômica das cadeias de valor de 30 produtos da sociobiodiversidade, incluindo aqueles mais conhecidos como o açaí, cacau, castanha-do-pará, borracha, palmito, cupuaçu, cumaru e murumuru. Esses produtos geraram, em 2019, uma renda total de R$ 5,4 bilhões e 224 mil empregos e a projeção é aumentar em mais de 30 vezes o seu valor até 2040, podendo chegar a R$ 170 bilhões.
E se queremos falar de sociobiodiversidade não podemos deixar de considerar como atores chave as populações tradicionais e povos indígenas que habitam a Amazônia. Estudo recente da ONU aponta que apenas 5% da população indígena conserva 80% de toda a biodiversidade do planeta, o que mostra que a inovação da floresta é ainda tão pouco estudada e conhecida.
Mas para que essa oportunidade se torne realidade e a bioeconomia da sociobiodiversidade represente de fato um novo marco na economia, é preciso investir em um modelo de transição, que contemple ao mesmo tempo ações de combate ao desmatamento e atividades ilegais na região, como simultaneamente prover incentivos e investimentos nas cadeias produtivas e negócios descarbonizados e compatíveis com a manutenção da floresta em pé.
O caminho parece estar se desenhando com o novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) que, entre 2004 e 2012, foi responsável pela queda histórica de 83% do desmatamento, onde ganha força as ações para impulsionar a bioeconomia como estratégia de conservação.
Até que tudo isso se torne uma realidade de fato, os setores produtivos vêm se auto-organizando multissetorialmente, por meio de estratégias e impulsionamento das cadeias da (sociobiodiversidade em arranjos inovadores que envolvem representantes de empresas, produtores extrativistas e indígenas, cooperativas e associações comunitárias e organizações da sociedade civil. É o que estamos vendo acontecer com a borracha, o pirarucu e a castanha, três produtos-chave da biodiversidade amazônica. E o que se espera é que as políticas e incentivos venham no sentido de atender às demandas e impulsionar coletivos como esses que já estão organizados.
Por fim, o Brasil tem toda a condição não somente de fazer o dever de casa, como de liderar uma ação em bloco dos países amazônicos em relação à agenda climática. Caberá a nós, enquanto sociedade civil, incidir e acompanhar a implementação dessas políticas para que essas possam ser de fato estruturantes e impulsionadoras de uma nova economia para a Amazônia. Uma nova economia mais ética, responsável e mais descarbonizada, que ajude o país a cumprir suas metas climáticas, diminuir a desigualdade social e gerar renda e desenvolvimento local para os povos tradicionais e originários, que por meio do seu modo de vida, conservam esse ativo estratégico brasileiro: a biodiversidade.
Patricia Cota Gomes é diretora executiva adjunta do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e gestora da rede Origens Brasil®