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Sociobioeconomia e Inovação Social que vêm de dentro da floresta

14/08/2024

Patrícia Cota, Patricia Machado e Adevaldo Dias*

 

O Brasil, enquanto um país mega diverso, possui grande potencial de desenvolver soluções para o enfrentamento da crise climática e redução das desigualdades sociais, a partir do fomento às cadeias e mercados éticos da sociobioeconomia. Essas cadeias precisam ser vistas como fonte de inspiração para a construção de um modelo de desenvolvimento local pautado na valorização da floresta em pé e das populações tradicionais e povos indígenas que manejam esses produtos. 

 

Apesar da altíssima diversidade de ingredientes e novos produtos, e do potencial de geração de impacto positivo, existem desafios e lacunas significativas para viabilizar a estruturação dessas cadeias, principalmente na Amazônia. 

 

Dentre alguns deles, está o isolamento geográfico dessas populações e das áreas de produção, causado pela ausência ou precariedade de infraestrutura básica de acesso nestes territórios. Os custos decorrentes desse difícil acesso tornam desafiador não somente reunir a produção das diversas famílias como também alcançar a viabilidade econômica da atividade. Para além desse desafio, outro ponto crucial é o acesso a mercado. Esse papel geralmente é cumprido pelos atravessadores, ou “comerciantes” presentes na região, que se deslocam muitas vezes em barcos e compram a produção por preço muito baixo para trocar ou vender mercadorias industrializadas à preços altíssimos, utilizando os recursos naturais como moeda de troca. Neste cenário, predomina ainda uma produção sem planejamento, com baixo valor agregado e quase sempre restrita ao mercado local. 

 

Encontrar caminhos para contornar esses desafios e transformar esse potencial em negócios de fato não é uma tarefa simples, mas existem soluções desenvolvidas pelas próprias comunidades. A Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), do município de Carauari (AM), usou a inovação para desenhar e implementar um modelo de comércio. Reconhecida como tecnologia social, trata-se de uma “Cantina do Bem”, que estimula a economia solidária na região, a partir da auto-organização socioeconômica e produtiva dos próprios produtores.

 

O funcionamento desse modelo passa pela utilização da cantina, localmente chamada de “Comércio Ribeirinho”, uma espécie de entreposto em pontos estratégicos para recebimento da produção dispersa nos grandes territórios. A distância percorrida pelos comunitários para a comercialização da produção até os centros urbanos mais próximos reduziu de quase 52 horas de viagem para no máximo 1 hora, além de ampliar em 90% o seu poder de compra. A produção tanto pode ser vendida para a Associação quanto trocada pelos insumos que ficam disponíveis na cantina, a preços acordados e “justos”, facilitando o acesso dos extrativistas a outros bens no meio da floresta. Esse modelo de negócio permite que a Associação reúna um grande volume de produtos e ingredientes que podem ser negociados com grandes compradores, sem envolvimento de intermediários e a preços mais competitivos.

 

Os produtores ressignificaram um passado exploratório para adaptar o modelo do “Comércio Ribeirinho”. Antigamente, os “Patrões”, grandes latifundiários, fazendeiros, empresários e uma das figuras mais controversas da Amazônia, instalavam cantinas para funcionar como uma espécie de armazém dentro das propriedades. Nesses locais, os seringueiros e extrativistas podiam entregar e trocar a matéria-prima coletada por suprimentos, como ferramentas e outros itens básicos necessários para a sua subsistência e trabalho na floresta. Como os preços praticados eram definidos pelo “Patrão” e, portanto, desproporcionais, esse sistema gerava exploração econômica, endividamento e dependência dos povos para com os proprietários das terras. 

 

Para que o modelo atual se mantenha um comércio ético para os povos locais, alguns princípios foram estabelecidos: deve-se permitir uma fácil compreensão e um controle do processo pelos extrativistas; ser de fácil aplicabilidade considerando a realidade local; e ser capaz de reduzir custos e melhorar a remuneração da comunidade. 

 

Esse sistema inspirou o surgimento de outras iniciativas parecidas na Amazônia e merece ser compartilhado, tanto pela forma inovadora de operação, adequada à realidade dos povos, quanto pelo seu impacto – são aproximadamente 4.500 pessoas diretamente envolvidas nas atividades. Assim como essa, são muitas as inovações e tecnologias sociais existentes dentro da floresta. Porque ninguém melhor que as pessoas que vivem nela ou dela para ajudar a encontrar caminhos para impulsionar uma sociobioeconomia que contribua para a redução das desigualdades sociais, a valorização da diversidade e a manutenção da floresta em pé.

 

*Patrícia Cota Gomes é diretora-executiva adjunta do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e articuladora da rede Origens Brasil®.

*Patricia Machado é Coordenadora na rede Origens Brasil®.

*Adevaldo Dias é uma liderança social, extrativista e conselheiro da ASPROC (Associação de Produtores Rurais de Carauari) e da Rede Origens Brasil®, além de presidente do Memorial Chico Mendes.

 

Publicado em Um Só Planeta.

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