Por Patrícia Cota Gomes e Natali Vilas Boas Silveira*
Com recorrentes episódios da crise climática ao redor do mundo, o Brasil, em especial, vem noticiando ondas de calor, secas extremas, queimadas e enchentes. Em meio a esse cenário crítico, vemos um avanço no reconhecimento do papel das florestas e dos serviços ecossistêmicos que contribuem para a regulação do clima.
Não por acaso o Brasil está em vias de regulamentar a lei que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. De acordo com a lei, os serviços ambientais são aquelas atividades, individuais ou coletivas, que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, relevantes para toda a sociedade.
Em um país como o Brasil, reconhecido por ser megabiodiverso e possuir a 2ª maior área florestal do mundo, essa é uma oportunidade única. Temos a possibilidade de regulamentar e criar mecanismos financeiros para remunerar as populações tradicionais e os povos indígenas pelo importante serviço de manutenção da floresta e dos serviços ecossistêmicos prestados, há tempos, a toda a sociedade.
Dados de monitoramento confirmam a contribuição dessas populações, que vivem dentro de áreas protegidas, que foram criadas justamente em função de sua relevância cultural e biológica, e como estratégia para compatibilizar a conservação com o uso sustentável dos recursos naturais pelas populações. De acordo com o Mapbiomas, em 30 anos de monitoramento, as áreas protegidas com populações tradicionais e povos indígenas (Terras indígenas e quilombolas) foram as que menos desmataram no Brasil, evidenciando que essas populações desempenham um papel crucial na conservação da floresta. Portanto, remunerá-las pelos serviços ambientais prestados a toda a sociedade é uma forma de reparação e reconhecimento de um grupo que nunca foi recompensado por isso.
Apesar da lei ainda estar em vias de regulamentação, várias experiências de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) já vem sendo desenhadas e implementadas no país. Alguns municípios e estados instituíram políticas locais de PSA, contudo com foco principal em áreas privadas e projetos de restauração. Em áreas coletivas, como é o caso da maioria das áreas protegidas na Amazônia, programas como o Bolsa Verde e o Bolsa Floresta já foram implementados utilizando a lógica de um PSA, além de outros arranjos que vem sendo pilotados entre as populações e empresas que compram ingredientes da sociobiodiversidade e reconhecem os serviços ambientais atrelados aos produtos.
A regulamentação da lei é fundamental para estimular a criação do mercado de serviços ambientais, a implementação de mais projetos de PSA e incentivar o setor privado a incorporar os serviços ecossistêmicos nas cadeias produtivas vinculadas aos seus negócios. Para além disso, a regulamentação é importante para não repetir erros, como os que aconteceram com o mercado de carbono, em especial o REDD+ (Projetos de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). O instrumento passa por diversas críticas, como assédio aos povos e baixo protagonismo destes nos projetos, pouca aplicabilidade para a realidade dos territórios coletivos, além do sistema de validação e verificação com custos altíssimos, que fazem com que os recursos fiquem mais no processo do que com as populações que de fato geram os serviços ambientais.
Precisamos aprender com os erros e regulamentar para que se possa dar condições de criar mecanismos mais flexíveis e simplificados de PSA, íntegros e adequados às áreas coletivas, porém permitindo que os benefícios cheguem de fato na ponta, ao mesmo tempo em que os povos tradicionais sejam salvaguardados e reconhecidos como recebedores prioritários desses serviços.
Uma vez que a lei esteja regulamentada de forma adequada, ainda fica a pergunta: Afinal, quem pagará essa conta? De fato, o principal desafio para a implementação e perenidade dos projetos de PSA é a existência de mecanismos de financiamento de longo prazo. Em dezembro de 2022, foi aprovado um Projeto de Lei em que a arrecadação com multas ambientais poderá ser usada para financiar PSA. Outros mecanismos poderiam ser implementados, como destinar os próprios recursos do Fundo Amazônia para PSA, e a criação de mecanismos de pagamentos compulsórios (ou voluntários) por setores que impactam na sua operação, os serviços ecossistêmicos.
Contudo, independente da origem dos recursos, nós enquanto sociedade, deveríamos reconhecer a importância dos serviços prestados por essas populações e assumir um compromisso ético. A sociedade deveria remunerar os prestadores de serviços ambientais, da mesma forma que pagamos taxas na nossa conta de água ou luz. Afinal, o planeta é um e a conta chegou! Precisamos pagar pela conservação das nossas florestas!
*Patrícia Cota Gomes é diretora executiva adjunta do Imaflora e Natali Vilas Boas Silveira é coordenadora de Projetos do Imaflora