Vistos de longe, do alto das arenas de combate da Roma
Antiga, os gladiadores lutavam entre si, defendendo de forma violenta o que lhe
importava naquele contexto – no caso, a própria vida. Eram observados não só
pelo público, mas geralmente por uma autoridade – por vezes o próprio Imperador
– que detinha poder de, com apenas um gesto, determinar a vida ou a morte
daqueles homens. Não muito longe dali e, aproximadamente, na mesma época, a
cidade grega de Atenas exercitava a democracia, um sistema de governo que tem
por premissa a escuta de opiniões diversas – por vezes divergentes – na procura
por soluções e definições para os rumos da sociedade em ambientes bem
diferentes do das arenas: as assembleias, usando como ‘arma’ a palavra, ao
invés da espada.
A história e a cultura Greco-Romana nos ensinam que,
conforme o ‘tom’ da autoridade governamental, assembleias podem se tornar
arenas. Também nos mostram que sempre que os espaços de diálogo e concertação
política são esvaziados e erodidos do seu propósito inicial de criação de
consenso e busca por soluções, tornam-se arenas de disputa política polarizada,
que levam por vezes à violência e quase sempre a uma inércia das esferas
governamentais em encontrar e aplicar soluções aos reais problemas da
sociedade. Não se resolvem problemas complexos sem parcerias construídas
custosamente, em torno de um propósito comum. Soluções inteligentes afloram de
ambientes de diálogo em que todas as visões e opiniões têm voz e escuta ativa.
Aos 100 dias do Governo Bolsonaro, o que vemos é que das
35 medidas prioritárias anunciadas para este período, em que somente duas
tratavam de questões ambientais (o Plano Nacional para combate ao lixo no Mar e
o Sistema de Recuperação Ambiental, sobre as multas do Ibama), apenas uma foi
cumprida e nenhuma delas sequer rascunhava um plano, uma ideia ou uma ação para
resolver os gravíssimos problemas ambientais que temos no Brasil, entre eles,
citando apenas os absolutamente mais gritantes: o óbvio – e inegável depois de
Brumadinho – modelo equivocado de exploração de minérios no Brasil, o aumento
do desmatamento desenfreado (e ilegal) na Amazônia e a perda de solos
agricultáveis, relegados à erosão, poluição e degradação, que já somam, num
número ainda estimado, pelo menos 60 milhões de hectares.
Os 100 dias do Governo Bolsonaro, no que tange ao escopo
de atuação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), revelam que não há um
planejamento para enfrentar estas questões.
Em janeiro de 2019, o Sistema de Alerta de Desmatamento
(SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), detectou que
108 km² de florestas foram desmatados na Amazônia Legal brasileira, um aumento
de 54% em relação a janeiro de 2018.
Este crescimento indica que as ações promovidas pela
atual gestão do MMA, com o argumento de aumento de controle e eficiência,
resultaram no desmantelamento de agências ambientais consolidadas, como Ibama,
Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), e, consequentemente, na fragilização das suas atuações, agravando
ainda mais o cenário problemático da política ambiental no Brasil.
A primeira reunião do Conama deixou evidente o
posicionamento do atual ministro do MMA, Ricardo Salles, em relação aos espaços
de diálogo e concertação política em torno das questões ambientais. Houve
quebra de regimento, com os suplentes sendo impedidos de participar – inclusive
com imposição de força e violência e discussões esvaziadas e abreviadas. Não
demorará para esta assembleia se tornar uma arena.
Em discurso recente na Marcha dos Prefeitos (9 de
Abril/2019), o presidente Jair Bolsonaro citou como uma grande meta o
desenvolvimento racional da Amazônia. Mas, como o presidente e seu ministro
pretendem desenvolver racionalmente a Amazônia? Tal desenvolvimento trará como
premissa o fomento à economia da floresta em pé, a valorização comercial dos
produtos da sociobiodiversidade e a aplicação da ciência e da tecnologia (e
pesquisa) a serviço de novos modelos de uso e conservação dos recursos
naturais, sempre em consonância com os povos tradicionais e a população
brasileira que vivem na e da floresta, como caboclos, ribeirinhos, indígenas e
também pessoas que vivem nos inúmeros pequenos e grandes centros urbanos do
Norte do Brasil? Além disso, eles responderão sobre como abandonarão o antigo
modelo de exploração da Amazônia, que suprime a floresta a baixo preço e traz
majoritariamente pobreza e degradação ambiental, para um modelo inovador, que
dê valor real ao que mais o tem, e que é amplamente dito e repetido pelo
presidente Jair Bolsonaro: nossas riquezas naturais, entre elas a maior delas,
a Amazônia?
O Imaflora tem a profunda convicção – comprovada ao longo
dos seus quase 25 anos de existência – de que não há como solucionar os
problemas, bem como aproveitar oportunidades da Amazônia e de outros
territórios brasileiros com predominância de recursos naturais, sem uma
profunda construção de parcerias com toda a sociedade em torno deste propósito
comum. As ONGs têm a responsabilidade – e no caso do Imaflora, toda a
disposição – em colaborar com o Governo Brasileiro nesse caminho, porém, é dado
ao alto comando a obrigação de orquestrar esta conjunção de forças, intenção e
expertises. E para isso é preciso espírito de liderança e muita habilidade.
Sobretudo, é preciso ainda que os altos mandatários do país saibam dar valor
aos espaços de diálogo estabelecidos e consigam enxergar nas opiniões
diferentes a oportunidade de inovar no estabelecimento de metas e ações
concretas que tragam real progresso ao Brasil.
Infelizmente para alguns, e felizmente para outros, não
estamos mais na Roma Antiga e a vida ou a morte – aqui neste caso, da política
ambiental brasileira – não será determinada por um gesto do Imperador, mas,
sim, por um esforço coletivo em defesa das causas ambientais. Em assembleias ou
arenas, cabe ao novo Governo decidir.