Renata Potenza*
Ao receber o bastão da organização da COP 30, que será sediada em Belém, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva usou uma poética menção às fiandeiras da Amazônia: o mundo precisa aprender a “fiar e confiar para termos um lugar melhor para todas as formas de vida”. Fez sentido. As negociações da COP 29, de Baku, que teve como ponto central a nova meta de financiamento climático (NCQG), deixou como legado um inegável esgarçamento na confiança dos países em fazer da cooperação multilateral um instrumento para enfrentar o risco de um colapso climático. O restabelecimento dessa credibilidade é um dos fios soltos que o Brasil terá de alinhavar na sua gestão como país-sede de uma COP que terá como desafio central revisar os compromissos de redução de emissões assumidos no Acordo de Paris e expressos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países signatários.
Na tentativa de manter o discurso sobre a tradição de liderança na agenda climática, o Brasil já entregou sua nova NDC, antecipando-se ao prazo de fevereiro de 2025. As novas NDCs trazem metas até 2035 e espera-se que correspondam ao compromisso assumido em Dubai, em 2023, de que os países sejam ambiciosos, apresentando metas compatíveis com o objetivo de conter o aquecimento em 1,5ºC em relação à média pré-industrial.
A nova meta brasileira propõe entre 59% e 67% de redução de gases de efeito estufa (GEE) frente aos níveis de emissões brasileiras de 2005. As definições de como esse objetivo será atingido dependem agora do aguardado Plano Clima, que deve ficar pronto em meados de 2025 e ambiciona zerar as emissões nacionais até 2050.
Com ações estruturadas em duas frentes – Mitigação e Adaptação –, o Plano Clima será subdividido em planos setoriais. O da agropecuária ocupa posição de destaque. Não poderia ser diferente, considerando que o setor responde por quase um terço das emissões nacionais de GEE, segundo dados referentes a 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Esse total não contabiliza incêndios resultantes de queimadas nem desmatamento para uso da terra, frequentemente associados às atividades agropecuárias. As emissões do setor têm aumentado a cada ano, mas projeções indicam que elas poderiam ser reduzidas a taxas bem menores, se práticas agrícolas de baixo carbono fossem adotadas.
As enchentes no Rio Grande do Sul, os incêndios que se alastraram por inúmeros estados, a seca na Amazônia são tragédias recentes que deixam clara a urgência de pôr em prática tanto tecnologias já testadas e conhecidas para reduzir as emissões (mitigar) quanto investir em adaptação para que as perdas não atinjam tão duramente os produtores, principalmente os pequenos produtores e comunidades mais vulneráveis. Mesmo porque, no fim das contas, o bolso de todos os brasileiros acaba impactado – diretamente, pelo aumento nos preços dos alimentos e, indiretamente, pelo desembolso dos cofres públicos. O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que assegura o pagamento de financiamentos agrícolas em casos de perda da produção por eventos climáticos ou pragas, é um bom exemplo dessa oneração pública.
Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) mostram que, em consequência das chuvas no Rio Grande do Sul, foram abertos créditos adicionais de R$ 800 milhões, dos quais R$ 450 milhões tinham sido desembolsados de fato até o início de novembro. Historicamente, os desembolsos com o Proagro são bastante voláteis, mas nota-se tendência de aumento nos últimos cinco anos – de uma média anual de R$ 507 milhões entre 2001 e 2013 para quase R$ 1 bilhão de 2015 a 2020 e daí para R$ 4,9 bilhões nos últimos quatro anos.
Em Baku, o agronegócio brasileiro mostrou interesse em entender como o financiamento climático que estava em discussão aterrissaria nas realidades nacionais. Melhor não contar com isso. Divididos pelas 45 nações mais vulneráveis a desastres climáticos, os parcos US$ 300 bilhões anuais acordados na COP 29 se transformam em US$ 6,6 bilhões para cada um desses países. É menos de um décimo do valor que o Plano Safra 2024/2025 destinou a créditos para o agronegócio brasileiro em junho.
O abismo entre esses valores evidencia que o fôlego brasileiro para financiar a agropecuária é grande. O que falta é aumentar (e muito) a parcela destinada a programas como o Renovagro, a linha de crédito do Plano Safra dirigida ao financiamento da transição para uma agropecuária sustentável e à recuperação ambiental. Atualmente, ele não absorve nem 5% do montante do Plano Safra e precisaria aumentar e incorporar um monitoramento mais robusto e transparente para dar escala a práticas que reduzam e removam carbono da atmosfera e a modelos produtivos resistentes a intempéries, além da necessidade de dar tração a programas destinados a pequenos agricultores, como o caso do Pronaf.
É também necessário ampliar a área de pastagens degradadas a serem recuperadas, cuja meta deveria passar de 17,5 milhões de hectares para 22,5 milhões de hectares, considerando um adicional de 18 milhões de hectares que poderiam ser destinados à produção de alimentos em sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta, evitando novos desmatamentos. A substituição de fertilizantes sintéticos por métodos biológicos e a ampliação de plantio direto são outras medidas que devem merecer investimentos. Para a pecuária, o caminho é a adoção de suplementos alimentares e do abate precoce como medidas para conter a emissão do metano resultante da digestão do gado, responsável por 64% das emissões da pecuária no ano passado.
O desafio é dar velocidade e escala a essas práticas. Os caminhos existentes e as vantagens de trilhá-los já são bem conhecidos. O Plano Clima oferece ao país e ao setor agropecuário uma oportunidade de colocar na mesa caminhos para uma transformação efetiva e justa no combate às mudanças climáticas. Resta fiar e confiar (como pediu a ministra) que o agro nacional abraçará o desafio de apresentar objetivos setoriais transparentes e à altura dessa missão.
*Renata Potenza é especialista em Políticas Climáticas do Imaflora
Artigo originalmente publicado pelo Globo Rural