Entidades e empresas entregaram ao MAPA proposta para uma política de regulamentação da pecuária bovina; cabe ao governo analisar sua implementação
Universal, obrigatória e socioambiental: esses são os três pilares da política de rastreabilidade do rebanho que pode mudar por completo a condição em que a carne brasileira chegará a diferentes mercados, dentro e fora do país. A Proposta de Política Nacional de Rastreabilidade Individual Obrigatória foi entregue na tarde ontem, 19/03, ao Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA) por associações de produtores, exportadores e organizações da sociedade civil.
“Ela amplia o olhar sobre os desafios da pecuária brasileira para além da adequação comercial frente às restrições antidesmatamento que a União Europeia promete assumir a partir de janeiro de 2025”, afirma Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Imaflora, uma das organizações participantes. “O posicionamento do bloco europeu transportou a questão para o campo geopolítico, impondo a necessidade de um diálogo entre estados. Primeiro, porque os mecanismos de controle estão nas mãos do governo (como o Cadastro Ambiental Rural e as Guias de Trânsito Animal) e, segundo, porque será preciso equalizar o custo das mudanças entre todos os envolvidos”, analisa.
Basicamente, a atividade no Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo, divide-se em três etapas – cria, recria e engorda. No topo da pirâmide, próximas aos frigoríficos, estão as fazendas integradas, que fazem tudo, e as fazendas de engorda e confinamento. Já a base é constituída por produtores, muitas vezes menores, dedicados principalmente às duas primeiras fases do processo, que envolvem a reprodução e a criação dos bezerros até a idade adulta, quando inicia a fase de engorda.
Tornar o rastreio efetivo significa identificar cada animal já nas fazendas de origem, de modo a registrar seu percurso desde o nascimento. Só assim é possível certificar que, em nenhuma fase, ele esteve em propriedades resultantes de desmatamento ilegal e atende a outros critérios socioambientais. Esse é o pilar da universalidade, que garante a cobertura integral em todas as etapas produtivas. A proposta traz ainda a obrigatoriedade de adesão (de maneira que não haja vazamentos) e o monitoramento socioambiental - para que não se limite à sanidade do rebanho.
A prática colocará o Brasil em outro patamar de controle da produção, mas vai demandar incentivos financeiros e técnicos, de acordo com as várias realidades dos produtores. “A existência de não conformidade é uma realidade no setor e pede regras de transição consistentes para que a cadeia não seja quebrada”, observa Marina. “Existem propriedades ilegais, resultantes da ocupação criminosa de terras públicas, mas há também um universo de propriedades legítimas que precisam de adequações em diferentes níveis. Para alguns, basta assessoria técnica e acesso a insumos, como brincos de identificação. Outros têm que reparar danos ambientais, o que pode implicar perdas de grandes áreas produtivas, exigindo novas técnicas de manejo para manter a produtividade.”
Não se trata, porém, de uma conta exclusiva do estado brasileiro, já que 30% da produção nacional de bovinos são exportados e, entre os 70% destinados ao mercado interno, boa parte é comercializada por grupos de presença mundial. Ou seja, a criação de fundos multinacionais e multissetoriais pode ser um caminho para fazer dessa uma transição viável. O documento entregue ao MAPA também considera tal dimensão.
Construída ao longo de 2023, a proposição é resultado de um amplo alinhamento setorial, liderado pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, com apoio da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e participação de diversas entidades envolvidas na agenda da rastreabilidade, como: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Associação das Certificadoras por Auditoria e Rastreabilidade (ABCAR), Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Boi na Linha - IMAFLORA, Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), Proforest, Tropical Forest Alliance (TFA), bem como as organizações membros de cada entidade.